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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TRÊS MULHERES, TRÊS DESTINOS TRÁGICOS

TRÊS MULHERES, TRÊS DESTINOS TRÁGICOS

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Procura-se um sorriso
que se perdeu ontem
por volta das cinco letras
A-D-E-U-S.
(Maria Cristina Batista da Silva. Procura-se um sorriso. In: Anúncios Poéticos: UFPB, 1990).

Há 28 anos, no dia 21 de agosto de 1982, morria assassinada pelo ex-marido, a poeta e psicóloga Violeta Formiga. No momento em que a violência contra a mulher está sendo posta em discussão, não poderia deixar de lembrar esta data. Estendo a homenagem para outras mulheres paraibanas também vítimas da violência masculina: Margarida Alves e Maria Cristina Batista da Silva. Para se escrever a história de mulheres paraibanas que desapareceram de forma trágica, nos anos 80 e 90 do século XX, há de se passar, obrigatoriamente, por essas três mulheres.
Quem foi Violeta Formiga?
Psicóloga e, acima de tudo, poeta. Nasceu em Pombal (PB) e veio adolescente morar e estudar em João Pessoa. Fez o curso de Psicologia na UFPB e aqui se casou. Publicou em vida, um único livro de poesias – “Contra Cena”. “Emoções”, seu segundo livro, é póstumo.
O que desejava Violeta?
Apenas a liberdade, ser livre como um pássaro, como bem disse neste poema:
Dádiva

Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu último
castigo).
Quem foi Margarida Alves?
Líder camponesa que almejava dias melhores para seus companheiros de sindicato rural, não temia a morte nem tampouco o poder dos ricos usineiros. Foi fundadora do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural em Alagoa Grande.
Qual foi o seu destino?
Morta com um tiro no rosto, na porta de sua casa diante dos filhos menores, no dia 12 de agosto de 1983. Morte encomendada. O poeta João Cabral de Melo Neto descreveu, no poema “Morte e vida Severina”, o tipo de morte de Margarida Alves:
(...)
Que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.

Margarida já havia passado dos vinte anos, mas ainda tinha muito tempo pela frente para defender seus irmãos que morriam de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia.
Quem foi Cristina Batista?
Uma estudante de Letras da Universidade Federal da Paraíba que tinha um belo sonho, menos ambicioso do que o do líder negro Martin Luther King, desejava um dia ser professora e escrevia pequenos poemas nas aulas de Literatura Infantil da UFPB.
Mas o que aconteceu?
Foi morta na calada da noite em janeiro de 1990 e jogada em uma vala na BR- 230, na estrada que liga João Pessoa a Cabedelo.
Onde estão os assassinos?
No mês de agosto, quando completa 28 e 27 anos do desaparecimento de Violeta Formiga e de Margarida Alves não poderia deixar de fazer este registro e conclamar todas as mulheres paraibanas para que lutem por liberdade, justiça e acalentem seus sonhos – o sonho de um país em que as mulheres tenham voz e vez.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa

A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa

Piedra de Toque refleja lo que soy, lo que no soy, lo que creo, temo y detesto, mis ilusiones y mis desánimos, tanto como mis libros, aunque de manera más explícita y racional.
(Mário Vargas Llosa. Piedra de Toque) ·.

A Linguagem da Paixão (El Lenguaje de la Pasión. Punto de Lectura, 2003), de Mário Vargas Llosa, reúne artigos publicados pelo escritor peruano, em sua coluna “Piedra de Toque”, no diário El País de Madrid, entre os anos 1992 e 2000.
Os pequenos artigos de Vargas Llosa oferecem uma visão e uma análise da conturbada sociedade do fim do século, com abordagens de temas variados: problemas culturais, notas de viagens, literatura, pintura, música e acontecimentos da atualidade. São 46 textos escritos em diferentes partes do mundo e publicados, quinzenalmente, através do jornal El País.
Em 1998, Llosa ganhou o Prêmio José Ortega y Gasset, na Espanha, pelo texto – Nuevas Inquisiciones, incluído nessa coletânea. O periodista relata o escândalo em que foi envolvido o ministro inglês Ron Davies e condena a imprensa sensacionalista que se aproveita de certos casos para se intrometer na vida privada de pessoas importantes: políticos, artistas, intelectuais. Llosa trata o assunto de forma imparcial, longe do sensacionalismo de certos órgãos da imprensa.
Mas, no conjunto da coletânea, um texto nos chamou a atenção – La Señorita Somerset. O articulista conta uma história real que se assemelha a uma pura ficção e inicia com estas palavras:
A história é tão delicada e discreta como devia ser ela mesma e tão irreal como os romances que escreveu e devorou até o fim de seus dias.
Quem é a protagonista da história? Margaret Elizabeth Trask, uma inglesa nascida no inicio do século XX e que, a partir dos anos 30, escreveu e publicou histórias românticas utilizando o pseudônimo de Betty Trask. Ao morrer, Miss Trask deixou todos os seus bens avaliados em 400.000 libras esterlinas para a Sociedade de Autores da Grã-Bretanha. De acordo com seu testamento, esse dinheiro deveria ser atribuído como prêmio literário anual a um novelista menor de 35 anos que escrevesse uma “história romântica ou uma novela de caráter mais tradicional que experimental”.
Pouco a pouco, através da prosa fluente de Vargas Llosa, vamos conhecendo um pouco da vida dessa enigmática escritora. Margaret Elizabeth Trask passou a vida a ler e a escrever sobre o amor. Em seus 88 anos de existência, não teve nenhuma experiência amorosa. As testemunhas afirmam que morreu “solteira e virgem, de corpo e de coração”.
A família de Trask era de Frome, industriais que prosperaram com a fabricação de tecidos de seda e confecção de roupas. A senhorita Trask teve uma educação cuidadosa, puritana e estritamente caseira. Após a morte do pai, passou a se dedicar à mãe e a escrever romances, no ritmo de dois títulos por ano. A pessoa mais próxima de Miss Trask era a administradora da biblioteca de Frome. Era uma leitora insaciável e um empregado da biblioteca fazia uma viagem semanal à casa da escritora levando e recolhendo os livros que ela tomava emprestados à biblioteca.
Os vizinhos de Miss Trask acham inconcebível que tenha deixado todo o seu dinheiro para a Sociedade dos Autores da Grã-Bretanha e eles desconheciam o lado de escritora da estranha senhorita e questionam:
Por que Miss Trask não aproveitou essas 400.000 libras esterlinas para viver melhor? Por que premiar novelas românticas?
O articulista responde a essas perguntas com os seguintes argumentos: Miss Margaret teve uma vida maravilhosa, cheia de exaltação e aventuras. Sua generosidade, sacrifício e nobreza são comparáveis à vida dos santos. A existência de Margaret Elizabeth Trask foi intensa variada e mais dramática do que muitos dos seus contemporâneos.
Vargas Llosa também lança interrogações: Miss Trask foi mais feliz do que aqueles que preferem a realidade à ficção? Ele acredita que sim, e conclui que o fato de destinar toda sua fortuna aos escritores de novelas românticas é a melhor prova de que foi para o outro mundo convencida de que fez bem em substituir a verdade da vida pelas mentiras da ficção.
Dentre os inúmeros artigos dessa coletânea, este foi o que mais nos atraiu. É uma história verdadeira? Conta uma meia-verdade? Não importa. Valeu pela beleza e ternura do relato.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

José Paulo Paes: o poeta e o ensaísta


José Paulo Paes: o poeta e o ensaísta
Onde um lúcido menino
propõe uma nova infância.

Ali repousa o poeta.
( José Paulo Paes. Escolha de túmulo)

A Companhia das Letras publicou, em 2008, dois livros fundamentais de José Paulo Paes – Poesia Completa e Armazém Literário. Poesia Completa reúne poemas e Armazém Literário é uma coletânea de ensaios.
Na maturidade, o poeta se dedicou à literatura infantil e publicou vários livros para o público infanto-juvenil. Rodrigo Naves, na apresentação de Poesia Completa, afirma que as ilustrações que acompanhavam os poemas infantis dos livros eram discutidas carinhosamente entre o poeta e os ilustradores.
Naves afirma, ainda, que, na literatura infantil, José Paulo Paes conseguiu sucesso que superou tudo o que ele tinha publicado antes, e atribui esse fato à demanda desse tipo de literatura e a excelente qualidade dos livros de poesia para crianças.
Poesia Completa e Armazém literário contemplam o leitor adulto. Rodrigues Naves fez uma apresentação com riqueza de citações e de informações sobre o poeta. Vilma Arêas foi a responsável pela apresentação do livro de ensaios.
José Paulo Paes, modestamente, se dizia “um poeta como outro qualquer” e em tom de autoironia se intitulava “ o melhor poeta da minha rua” , seguida da explicação – sua rua era muito pequena, só havia um poeta, “ele-mesmo”.
Não faltou na seleção organizada por Vilma Arêas o excelente ensaio que José Paulo Paes escreveu sobre Augusto dos Anjos – “Uma microscopia do monstruoso”.
É conveniente lembrar que, no livro autobiográfico – Quem, eu? Um poeta como outro qualquer (Ed. Atual, 1996), José Paulo Paes revela que, na adolescência, o Eu e outras poesias de Augusto dos Anjos, foi um livro fundamental na sua formação literária. A respeito, ainda, do poeta paraibano, ele diz:
A poesia de Augusto dos Anjos, com suas angustiadas indagações sobre o sentido da existência humana, com as suas visões de pesadelo de morte e de decomposição dos seres vivos, com seu esmiuçamento ora microscópico ora telescópico dos mistérios do universo, me impressionaram profundamente. (1996:27)
A publicação desses dois livros veio comprovar que estamos diante de um poeta maior e de um crítico lúcido e instigante que sabia lidar, com mestria, com a Poesia, a Arte e a Cultura.

Literatura para todas as idades




Literatura para todas as idades
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil/PB)

O reconhecido crítico brasileiro Antonio Candido disse, certa vez, que todo bom livro de criança serve para adulto e prossegue o crítico – o grande, o bom conto infantil é, portanto, o que vale igualmente para adultos. Imbuída do pensamento de Antonio Candido, iremos tecer comentários sobre livros produzidos para crianças e jovens, mas que certamente irão agradar aos adultos.

O BAÚ DE SEU MACHADO. Sílvia Eleutério e Márcia Kaskus. Ilustrações de Victor Tavares. Rio de Janeiro: Zeus, 2007.

Machado de Assis para crianças? Será possível? Já houve adaptações dos romances de Machado de Assis para jovens e belíssimas recriações do texto machadiano. Recentemente Moacyr Scliar recriou Dom Casmurro e escreveu “Ciumento de carteirinha”, mas Machado para crianças com texto bem dialogado parecendo peça teatral! Sim, gente, é isso mesmo, Machado de Assis para crianças.
Silvia Eleutério e Márcia Kuskas vêm desenvolvendo um trabalho na Academia Brasileira de Letras com o título de Ciclo de Leituras – Dramaturgia de Sempre com a finalidade de apresentar autores consagrados da dramaturgia brasileira ao público que freqüenta a ABL. Em 2003, as duas se reuniram e criaram o texto infantil O Baú de Seu Machado que agora, em 2007, aparece em livro pela editora Zeus.
Para fazer as ilustrações, foi convidado o desenhista e ilustrador Victor Tavares que pesquisou muito sobre o Rio antigo, o Rio da época de Machado de Assis e, com seu talento, criou cenários, casarios, ruas estreitas, lampiões, tudo à moda antiga.
Os personagens/moradores do livro são aqueles criados pelo bruxo do Cosme Velho. Seu Machado, o protagonista, é Machado de Assis, com traços de Simão Bacamarte, personagem meio louco do conto O Alienista. Aparecem, ainda, a cartomante, o imperador D. Pedro II, Deolindo e muitos outros, todos de forma bem jocosa com falas exageradas e traços caricaturais.
É livro para crianças grandes e pequenas. Quem assistiu ao espetáculo na ABL gostou, quem leu o livro também gostou. E você leitor? O que está esperando? Encomende o livro na livraria mais próxima de sua casa ou peça pelo reembolso postal, você não vai se arrepender.

A INFÂNCIA DE ZIRALDO. Audálio Dantas. Projeto gráfico de Camila Mesquita. São Paulo: Callis, 2007.

Ziraldo é cartunista, escritor, ilustrador, amado por crianças e adultos, é mineiro de Caratinga( MG) e começou a desenhar aos três anos de idade e, segundo seu biógrafo Audálio Dantas, não parou nunca mais.
Ziraldo é o filho mais velho de Dona Zizinha e Sr. Geraldo e da junção dos nomes dos pais surgiu ZI+RALDO = ZIRALDO. O menino foi criado no meio de cinco irmãos, três homens e três mulheres.
Quando estava com três anos, a família mudou-se para Lajão e foi nessa cidade que o menino descobriu o mundo. No fundo do quintal de sua casa passava um rio, o rio Doce. Para os olhos do pequeno Ziraldo, esse rio era um mar de água, rio capaz até de engolir menino. Um dia um menino foi levado pelo rio e uma jangadinha desceu o rio para procurar o desaparecido. Essa é uma cena que ficou gravada na memória de Ziraldo como uma das mais tristes lembranças de sua infância.
Ziraldo morava em uma casa com quintal grande, todo cercado por muros altos e brancos e foi nesse muro todo branco que Ziraldo começou a fazer seus primeiros desenhos. Foi também nesse período, vivendo em Lajão, que o menino despertou para os quadrinhos através dos gibis. A professora Maria do Carmo implicava com o gosto de Ziraldo pelos gibis. Quando encontrava uma revistinha na sala de aula armava um escândalo. Para essa professora o gibi “era uma indecência”, mas Ziraldo não se incomodava com as implicâncias da professora e, ao lado dos gibis, lia também livros - Tesouro da Juventude, Robinson Crusoé e quase toda coleção de Monteiro Lobato, tudo foi devorado pelo freqüentador da biblioteca da escola.
O biógrafo narra um episódio da vida de Ziraldo que merece ser contado. Certo dia um fotógrafo veio tirar o retrato da família. De repente, Dona Zizinha pede para que o fotógrafo esperasse um pouco, pois faltava o melhor amigo de Ziraldo e foi buscar correndo o amigo. E quem era o amigo? Um livro ensebado, lido e relido pelo pequeno. A paixão pelo livro é coisa muito antiga! No retrato da família, lá está Ziraldo com o livro na mão, essa foi outra cena que marcou a sua infância. Não causa estranheza a afirmativa do escritor: Ler é melhor do que estudar.
Audálio Dantas é alagoano de Tanque d´Arca e grande amigo de Ziraldo e gosta de escrever sobre a infância dos escritores. Camila Mesquita, responsável pela parte gráfica do livro, organizou os desenhos, retratos da família, a diagramação do livro, tudo muito bonito e bem simples. É leitura agradável que irá cativar leitores de 8 a 80 anos.