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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Maria Campos: moça de muitos nomes

MARIA CAMPOS: a moça de muitos nomes
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Não sei quantas almas tenho.
( Fernando Pessoa)

Stella Maris Rezende é mineira de Dores do Indaiá, nome poético e nostálgico para uma cidade. É atriz, escritora e publicou inúmeros livros para adultos e jovens. Recebeu prêmios importantes, como o Nacional João-de-barro e foi indicada três vezes para o Jabuti. Em 2010, conquistou o Prêmio “Barco a Vapor de Literatura” com o livro “A guardiã dos segredos de família”. (Ed. SM. 2010). Em 2011, pela Editora Globo, dentro da linha do “romance de aprendizagem”, publicou” A mocinha do Mercado Central”. É sobre este último livro que iremos tecer algumas considerações.
Presente e passado se entrecruzam nessa narrativa que reúne cinema, literatura, teatro e romance. Para Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia e escritor, a prosa deste livro lembra, profundamente, o fluxo inconsciente da psicanálise. É, também, um guia no caminhar das ruas por diversas cidades brasileiras.
Na apresentação do livro, o ator e diretor de cinema, Selton Mello, afirma: “Em tempos anêmicos, essa leitura faz sonhar e encher o peito de alegria”. Vamos acompanhar as trilhas da personagem central Maria Campos, a mocinha do Mercado Central, e encher o coração de alegria por meio da leitura desse livro cheio de mineirice.
Maria Campos nasceu na mesma cidade de Stella Maris – Dores do Indaiá, filha única de Bernardina Campos e de pai ignorado. Tinha apenas o sobrenome da mãe. “A mãe fora violentada durante um assalto a um ônibus em que viajava de Belo Horizonte para São Paulo.” (p.17). Dessa união indesejada, nasceu a filha, mas a mãe era toda desvelo, dedicou a vida àquela que fora fruto de um estupro.
Antes de iniciar o roteiro das viagens e acompanhar Maria Campos por diversas cidades brasileiras, vamos conhecer Valentina Vitória, uma vizinha de Dores do Indaiá que tinha um sobrenome bem longo – Valentina Vitória Mendes Teixeira Couto. Foi esta vizinha bonita de cabelo comprido, cheio e cacheado, com pai e mãe que “viviam de mãos dadas” que ensinou a Maria Campos o significado de muitos nomes próprios, e deu esta explicação: “Cada nome tem a sua magia.” (p. 15).
Ao completar dezoito anos, Maria resolveu deixar a pacata cidadezinha do interior de Minas e conhecer outras cidades. Procurou convencer a mãe com este argumento: “Passar algum tempo fora da casa materna seria bom, diferente, aventuroso, e com certeza daria a ela Maria muitas oportunidades de aprender muitas coisas, coisas que a pia cheia de louça e a mãe sozinha não podiam ensinar.” (p.20) E partiu.
A primeira cidade escolhida foi Brasília. Para cada cidade visitada, Maria Campos iria adotar um nome diferente. Em Brasília, escolheu o nome de Zoraida, e foi trabalhar em um restaurante simples, feito de tábuas pintadas de azul-piscina.
A segunda aventura foi a cidade de São Francisco, não da Califórnia, mas do Norte de Minas Gerais. E veio um novo nome, agora era Teresa – “a que carrega as espigas de trigo”. Quando chegou naquela cidade que tinha nome de santo, sentiu-se “absurdamente disposta.” Trabalhou como enfermeira em um hospital e conheceu a dor de partir muito cedo – a morte do menino Tadeuzinho e de uma jovem mãe.
Na terceira aventura, o destino foi São Paulo. Agora seu nome era Simone, “aquela que escuta” e escolheu ser vendedora ambulante na Rua 25 de Março. Era um trabalho duro, tinha que limpar, organizar, mostrar, gritar, vender, agradecer e dizer: “volte sempre”. Um dia, veio a vontade de partir para uma nova aventura e Belo Horizonte foi o próximo pouso.
Miriam era seu novo nome, que significa “a filha desejada”. Quando chegou a Belo Horizonte, foi procurar o apartamento de uma tia que morava nas proximidades do Mercado Central. Dirigiu-se a um rapaz que desenhava com uma prancheta sobre os joelhos, sentado em um banco da Praça Raul Soares e perguntou-lhe onde ficava o Mercado Central. O apartamento da tia ficava nas proximidades do Mercado Central e o rapaz deu-lhe todas as indicações – ficava entre a Augusto Lima e a Goitacazes.
Tia Marta, “aquela que reina em casa”, morava em um apartamento pequeno, mas confortável. Havia um quarto-biblioteca no apartamento e a tia estava sempre lendo, “parecia que o livro era um namorado que ela ia beijar e abraçar.” (p.57)
O Rio de Janeiro foi o próximo destino de Nídia, nome de origem latina que significa “saído do ninho”. E a sugestão de visitar o Rio veio de tia Marta, ela tinha um apartamentozinho em Copacabana, Maria, agora Nídia, poderia ficar uns dias por lá, deu-lhe a chave, o endereço e um mapa da cidade do Rio de Janeiro. Tia Marta pediu-lhe uma coisa em troca: “Quero que vá ao Real Gabinete Português de Leitura” (p.61).
Essa visita ao Rio trouxe-lhe agradáveis surpresas. Na biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, encontrou um volume sobre a mesa. Pegou o livro e começou a folhear. Na capa estava escrito Fernando Pessoa e ela se lembrou de que Fernando é de origem germânica e significa “guerreiro destemido”. E começou o ler aquele livro, foi lendo, lendo e encontrou este poema:
“Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.

E leu mais. Descobriu que Fernando Pessoa virava Alberto Caeiro. E virava Álvaro de Campos. E virava Ricardo Reis. Coisa que ela também gostava de fazer.
Mas o Rio ainda tinha boas surpresas. Entrou na Confeitaria “Traiteurs de France” para tomar um café e comer um “financier” e viu alguém importante entrando. Era ele, Selton Mello. Seu coração disparou. Há muito sonhava com esse encontro desde o tempo em que assistira “Lisbela e o prisioneiro”, no Cine Serra da Saudade, em Dores do Indaiá. Dirigiu-se para o ator e disse-lhe:
“- Selton, eu me apaixonei por você.” (p. 84)
Essa declaração foi o início de uma longa conversa. Nídia não acreditava que estava vivendo aquele momento mágico, conversando com Selton Mello.
Outras viagens, outras surpresas e Maria Campos ganhando novos nomes, novas aventuras. O romance juvenil termina com a mocinha da Estação Central retornando à cidade natal. Recebe o afago da mãe e a triste noticia do suicídio da amiga Valentina Vitória.
As inúmeras viagens e as várias cidades visitadas por Maria Campos demonstram que estamos diante de um verdadeiro “romance de aprendizagem”.
( Texto publicado no jornal “Contraponto”. João Pessoa, fevereiro de 2012)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

fábulas ecológicas modernas

Fábulas Ecológicas Modernas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Da viola do urubu
sapo caiu no penhasco,
gritando: “Arreda, lajedo,
sai, pedra, senão te lasco!”
(Marcus Accioly. Da festança-no-céu. In: Guriatã: um cordel para menino)

A palavra fábula tem origem latina e aparece em outras línguas sempre com o mesmo sentido – conta uma história tendo como protagonistas animais. Quanto à origem, remonta a tempos muito antigos. Embora se fale nas fábulas de Esopo (Grécia, VI a.C.,) Fedro (Roma, século I), La Fontaine (França, século XVII), o Oriente é considerado o berço deste gênero literário.
Câmara Cascudo, em “Literatura oral do Brasil” (1984:87), afirma que as histórias de animais, as fábulas clássicas, são milenárias. Os europeus representavam os temperamentos humanos sob a forma de animais. Para africanos e ameríndios, os animais viviam essa própria ação anímica e eram dotados de todos os poderes e raciocínios dos humanos. Possuíam o segredo do fogo, do sono e de certos vegetais.
Nas primeiras décadas do século XX (1920/1930), Monteiro Lobato procurou retirar o ranço moralista que envolvia as fábulas e deu-lhes nova roupagem ao escrever as “Fábulas de Narizinho” (1921).
Em carta ao amigo Godofredo Rangel (8 de setembro de 1916), Lobato expõe o esboço de um projeto: “Ando com várias ideias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades”.
Na história da literatura as fábulas sempre retornam, modernamente aparecem destituídas das antigas moralidades e apresentam novas maneiras de ver o mundo, conservando, porém, a presença de animais falantes e que agem como os seres humanos.
É dentro desta nova linha de fábulas que o escritor paraibano, radicado em Recife, o médico psiquiatra Luiz Carlos Albuquerque, escreveu duas histórias – “As aventuras de Urubill” e “Batra, o sapo”, livros publicados pela Editora Bagaço, Recife, 2011. Além de escrever para crianças, contos e cordel, Luiz Carlos Albuquerque é autor de um ensaio sobre Augusto dos Anjos – “Eu, singularíssima pessoa”, livro que foi consultado pelas pesquisadoras do projeto “Redescobrindo as Trilhas de Augusto dos Anjos” para escrever a “Biobibliografia de Augusto dos Anjos” (Ed. Universitária, UFPB, 2008) e “Augusto dos Anjos em imagens: uma fotobiografia” (Ed. Ideia, 2010).
Mas vamos em busca das fábulas fabulosas criadas por Luiz Carlos Albuquerque.
Urubill é o protagonista do livro “As aventuras de Urubill” e habita a região do açude Prata, no bairro de Apipucos, em Recife, é um urubu caminhante, gosta de dar longos passeios e voos rasantes pelas margens do rio Capibaribe. O interessante desta fábula é a amizade que surge entre o Urubill e a garça Graça. Esta ensina o amigo a comer peixe. Urubill abandona os antigos hábitos alimentares e passa a comer peixes e vegetais.
Dentre os amigos de Urubill, destacam-se Sombra, Gardel e Flatista Sombra era um urubu com ares de poeta, ficava pousado em uma jaqueira “lendo poemas de um tal de Augusto dos Anjos, repetindo várias vezes o trecho predileto deste poema: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte!”
Batra é um sapo e o personagem principal de “Batra, o sapo”. Andarilho por natureza, gostava de fazer caminhadas noturnas pelas ruas do Recife na companhia do jovem poeta Austro Costa, isso lá pelos anos de 30 e 40 do século XX. Morava na curva do rio Capibaribe, perto do Palácio das Princesas. Era muito, muito velho, dizia que conhecera pessoalmente o Conde Maurício de Nassau e Tabira, o chefe tabajara.
Tinha o hábito de reunir os sapos menores e os adultos e lá vinham histórias do Recife antigo relembradas por Gilberto Freyre no livro “Guia Prático, Histórico e Sentimental do Recife”, com 1ª edição em 1934 e reeditado diversas vezes. Dizia o Mestre de Apipucos:
“Os maus urbanistas quiseram aterrar primeiro o Beberibe, depois o Capibaribe para sobre esses ex-rios edificarem casas, apartamentos e vilas disto ou daquilo”.
Os rios não morreram de sede, mas tiveram, com o desenvolvimento da cidade, seus cursos alterados, sofreram mutilações, aterraram seus mangues, construíram edifícios, shopping center, abriram-se avenidas e os rios do Recife foram perdendo o encanto e a magia dos versos decantados pelo poeta Austro Costa:
“Rio Capibaribe
Capibaribe meu rio,
espelho do meu sonho”.

Temos muito o que aprender com as fábulas, com os animais, com os rios. Luiz Carlos Albuquerque, com essas duas fábulas modernas, ensina-nos a conviver pacificamente com a natureza, a não poluir os rios e a respeitar o meio ambiente.