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terça-feira, 21 de outubro de 2008

A cartografia da saudade

Cartografia da saudade: um ensaio poético
(Neide Medeiros Santos – ensaísta e crítica literária – FNLIJ/PB)

Saudades, só portugueses
Conseguiram senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.
(Fernando Pessoa. Quadras ao gosto popular).

Corpo e alma: terapia biopsicossociais, livro organizado por Maria Goretti Ribeiro, Maria de Fátima Araújo e José Alves Nogueira, uma edição da Editora Universitária (UFPB, 2007), reúne sete ensaios que tratam de problemas ligados à saúde e à psicologia. Na impossibilidade de destacarmos todos os ensaios, vamos examinar, com mais acuidade, o texto de Edmundo Gaudêncio que trata da temática da saudade e do luto.
Cartografia da saudade: apontamento para a clínica do luto, texto do médico psiquiatra Edmundo Gaudêncio, investiga “a vivência do luto, a reação emocional às perdas”. O ensaio de Edmundo Gaudêncio registra como texto “gerativo” a canção de Chico Buarque – Pedaço de mim.. A partir da letra dessa canção, o ensaísta discorre sobre as perdas, as coisas que não ficam, o luto e, de forma mais específica, sobre o sentimento da saudade.
A Psicanálise, a Antropologia e a Sociologia ajudam a entender o sentimento da perda, mas o texto de Edmundo Gaudêncio ganha corpo e poeticidade quando se detém no exame da saudade. E surge a interrogação: Quais são as nossas saudades?
Sentimos saudade de tantas coisas. O autor cita, como exemplos, a saudade do dia que passou, quando cai a noite; saudade dos lugares visitados, que são sempre mais belos quando distantes; saudade da primavera, quando chega o inverno. Esses exemplos levam o leitor a pensar em outros tipos de saudade. Saudade de um pôr-do-sol bem iluminado, de uma música suave e nostálgica, de uma leitura de um livro que nos encantou e que teima em voltar à nossa mente.
Há certos poemas, evocadores de saudade, que merecem ser lidos com acompanhamento musical e sugerimos que a leitura de Elegia I, de Cecília Meireles que recorda a morte da avó, Jacinta Garcia Benevides, seja feita ouvindo a bonita música “Meditação para Thaís”. de Massenet, com o acompanhamento do violino mágico de Sarah Chang.
Diante das saudades citadas pelo ensaísta, vem o comentário:
Mas essas saudades são tão simplezinhas, tão saudadezinhas, que nem notamos que são saudades. Apenas notamos como sendo saudade a saudade doida e doída do que não volta, do que não possui retorno: saudade de pessoa e coisa que, somente quando perdidas, descobrimos que eram únicas e descobrimos quanto de nós levaram consigo. Essa a saudade maior, da qual todas as outras são pálidos reflexos. (p.71)
Sabemos que algumas saudades podem retornar. Um lugar visitado que nos causou uma boa impressão pode ser revisitado, um livro amado pode ser relido, as estações são cíclicas, sempre se renovam. Mas uma pessoa que se foi essa não volta nunca mais. Uma casa demolida, a infância perdida, tudo é um passado sem volta.
Nesse ensaio, existe também a preocupação com os vários sentidos da palavra saudade, termo decantado pelos poetas, e aí aflora, mais uma vez, a veia poética do ensaísta quando diz:
... saudade é que se põe à mesa, no lugar de quem não veio, no lugar de quem não volta” (p. 72).
Saudade é perder de vista, é não ter mais sob os olhos, é nunca mais olho-no-olho. (p.72)
Diante da perda, que é uma coisa inevitável, o que devemos fazer? O analista da alma apresenta uma solução:... é necessário amar as pessoas, as coisas, os lugares antes que passem e sejam saudades. (p.74).
Para concluir, remetemos o leitor à canção de Chico Buarque que fecha o ensaio de Edmundo Gaudêncio como um “ritornelo”:

Oh, pedaço de mim,
Oh, saudade afastada de mim,
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior que o esquecimento,
É pior do que se entrevar. (...)










Prêmios da ABL/2008
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)

...Ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não vêem.
(José Américo de Almeida. A Bagaceira. Antes que me falem. 42 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 3).

No dia 17 de julho, durante sessão solene comemorativa dos 111 anos da fundação da Academia Brasileira de Letras, foram entregues os prêmios literários 2008. Autran Dourado foi o vencedor do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de obra. Izacyl Guimarães Ferreira recebeu o Prêmio de Poesia – “Discurso Urbano”. Na categoria de Ensaio, o vencedor foi Laurentino Gomes com o livro “1808”. Coube a José Alcides Pinto o Prêmio de Ficção, Romance, Teatro e Conto – “Tempo dos Mortos.” Daniel Munduruku recebeu o Prêmio de literatura Infanto-Juvenil com o livro “O Olho Bom do Menino” (Ed. Brinque-Book, 2007), com ilustrações de Rubens Matuck.
Antes de falarmos sobre o livro vencedor na categoria infanto-juvenil, vamos conhecer um pouco do autor e do ilustrador.
Daniel Munduruku, nome literário de Daniel Monteiro Costa, nasceu no Pará, é descendente do povo munduruku, atualmente reside no interior de São Paulo. Estudou Filosofia na Universidade Salesiana de Lorena, é filósofo e professor, cursa doutorado em Educação na USP. É autor de cerca de 30 livros infanto-juvenis. Em seus textos, procura sempre divulgar a cultura e o saber do povo indígena. Já recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Em 2006, foi condecorado com a “Comenda de Mérito Cultural”, outorgada pelo Ministério da Cultura e o livro “Meu avô Apolinário” ganhou menção honrosa da UNESCO (2003), no Prêmio Literatura para Crianças e Jovens, na questão da tolerância.
Rubens Matuck nasceu e mora em São Paulo, ilustra livros desde a década de 1980. É escritor, ilustrador, pintor, aquarelista, escultor e um árduo defensor do meio ambiente. Mantém no seu ateliê um viveiro de plantas, distribuindo mudas para arborizar as ruas de seu bairro e dá aulas para alunos com necessidades especiais. Seu trabalho com crianças, portadores de deficiências, o ajudou a ilustrar esse livro que fala da visão interior de um personagem muito especial – Theo Luís. Para ilustrar “O Olho bom do menino”, Rubens Matuck usou a técnica da aquarela. Cores suaves formam um conjunto harmonioso e agradável.
Daniel Munduruku sempre utiliza, em seus livros, a temática indígena, mas “O Olho bom do menino” foge desse tema recorrente e vamos encontrar como personagem central um menino portador de deficiência visual. Logo, no início da narrativa, após uma conversa com a mãe do menino, o narrador faz essa observação a respeito da visão de mundo do menino:
“- Ele parecia ser muito feliz, apesar dessa condição”. (p 8).
No decorrer da história, Theo Luís vai se revelando pouco a pouco e dá lições de bem viver à mãe que se sentia um pouco culpada pela cegueira do filho (ela tivera rubéola quando estava grávida) e aos adultos que privam de sua convivência.
Há uma passagem no livro em que o menino confessa a um adulto:
“- É importante que o senhor saiba que mesmo com os olhos fechados eu posso ver muita coisa”. Depois continuou:
“-Tem coisas que a gente só vê quando fecha os olhos. As pessoas cegas se acostumam com a escuridão e dela fazem seu mundo. A gente tem os outros sentidos que nos ajudam a ver coisas que os que vivem de olhos abertos não conseguem enxergar”. (p.14-15)
Theo Luís perdeu a visão, mas tem a capacidade de enxergar as pessoas por dentro. Há uma passagem do livro que o menino revela o que seu “olho bom” pode ver:
- Eu tenho um olho bom – disse, sorrindo...
- Mas não adianta procurar aqui, no meu rosto. Estes aqui nada vêem. É por isso que meu olho de dentro do coração funciona, e eu sinto quando as pessoas estão infelizes” (p. 19).
A poeticidade desse livro pode ser comparada ao filme iraniano “A cor do paraíso”, com direção e roteiro de Majid Majidi, que conta a história de Mohammad, um menino cego que busca o sentido da vida nas coisas mais simples – como um filhote de passarinho que cai do ninho e, sem pressa, espera ser colocado no abrigo seguro (e o pequeno Mohammad o traz de volta ao ninho), parar no meio do caminho e escutar o toc-toc dos pica-paus na mata, andar pelo campo na companhia da irmã, ouvir histórias contadas pela avó.
A beleza literária de “O Olho Bom do Menino”, aliada à riqueza da ilustração, nos levou a escrever uma breve louvação para Daniel Munduruku, inspirada nas palavras de José Américo de Almeida:

Louvo o avô e louvo o pai
Louvo todo o povo munduruku
Louvo o escritor Daniel
Que vê o que os outros não vêem.

E Rubens Matuck? Merece também ser louvado.

Minha inspiração é curta
Para tanta louvação
Para Rubens Matuck – obrigada
Digo adeus e vou-me embora.

sábado, 11 de outubro de 2008

violeta formiga



NEIDE MEDEIROS SANTOS
As pessoas não morrem, ficam encantadas.(João Guimarães Rosa)Violeta de Lourdes Gonçalves Formiga nasceu na cidade de Pombal (PB), no dia 28 de maio de 1951 e foi brutalmente assassinada no dia 21 de agosto de 1982. Este ano completa 25 anos de seu encantamento. Poeta e psicóloga, Violeta era uma alma sensível e teve forte atuação nas letras paraibanas, publicando poemas no “Correio das Artes” e em outros suplementos literários. Em 1981, lançou, na Galeria Gamela, Contra Cena. Sensações, publicado em 1983, é uma edição póstuma.A poesia de Violeta Formiga denota uma profunda paixão pela vida. Os poemas são curtos, versos simples, com destaque para os aspectos da vida cotidiana. O crítico literário Hildeberto Barbosa Filho ressalta que a poesia de Violeta é lírica e confessional, mas não resvala para o subjetivismo, é uma poética que se centraliza no emissor, no “eu - lírico”.Na edição do livro Sensações, vários poetas e amigos registraram depoimentos que ressaltam o valor de sua poesia e seu modo descontraído de ver e sentir o mundo. Através desses depoimentos, podemos traçar um retrato físico e psicológico da poeta.Altemir Garcia revela a frialdade do assassino com estas palavras:... Depois nem lavou as mãos. Ligou a vitrola e foi escutar Brahms.Anco Márcio destaca o local escolhido para alojar a bala assassina:... Logo no coração. Meu Deus, no lugar onde ela guardava todo o seu estoque de poesia e ternura.Carlos Tavares vislumbra a força da poesia de Violeta:E Violeta fez questão de gritar e gesticular pra todo mundo com suas estrofes, versos prontos e reticências.Cláudio Limeira chama a atenção para a musicalidade dos versos da poesia de Violeta:... Cante a última canção sem viola.O jornalista e cronista Evandro Nóbrega faz uma descrição física de Violeta, destacando a morenez e o brilho do olhar:Morena, com um quê de boneca ágil, pequena, sorridente, bonita a seu jeito, pulsante de cor e energia. Os olhos, os olhos pretos, vivos penetrantes, prazenteiros, joviais.O cronista Francisco Pereira Nóbrega rememora uma frase dita por Violeta que é um reflexo de sua maneira de ser:Violeta, onde estiver, estará repetindo a primeira frase que me disse: “deixaram a gaiola aberta, o passarinho voou. Achei foi bom”.Nelson Tangerini (RJ) louva a poeta e a poesia com essa contundente afirmativa:Aos artistas, a pena, a arte... aos incompetentes, as armas.O tenente Lucena instiga as mulheres paraibanas a adotarem a violeta como símbolo:Mulher paraibana adote a violeta como símbolo.O desejo de ser pássaro aparece em alguns de seus poemas e Dádiva representa bem esse desejo:Ser pássaroe voar infinito.(Que seja esteo meu últimocastigo)Para conhecer a poesia de Violeta Formiga é recomendável viajar pelos seus versos, diminutos em quantidade, mas ricos em qualidade literária. A leitura dos poemas que figuram nos dois livros de poesias – Contra Cena e Sensações – permite que o leitor mergulhe no universo poético dessa pombalense de vida breve, mas que soube, com seu canto, mesmo sem viola, atravessar as fronteiras da Paraíba.Os livros de Violeta Formiga não foram mais reeditados, só é possível encontrá-los em bibliotecas ou em sebos. O impacto da morte de Violeta suscitoudepoimentos pungentes,tudo não pode cair no esquecimento, é necessário que a sua poesia seja revisitada através da reedição de seus livros.