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segunda-feira, 26 de junho de 2017

Para tocar tuas mãos










Para tocar tuas mãos: lirismo e afetividade
Neide Medeiros Santos)
            Pus o meu sonho num navio
            e o navio no fundo do mar;
             - depois, abri o mar com as mãos,  
            para o meu sonho naufragar.
             (Cecília Meireles. Canção).

            Um livro pode atrair o leitor pela capa ou pelo título. “Para tocar tuas mãos” (João Pessoa: Ideia, 2017) tem a dupla vantagem – atrai pelo olhar e pelo título sugestivo.  Domingos Sávio, o ilustrador, foi muito feliz ao escolher uma borboleta para ilustrar a capa. Uma linda borboleta amarela parece flutuar sob um fundo da cor da noite. O amarelo intenso das asas dianteiras vai esmaecendo e se veste de um tom alaranjado nas asas posteriores, confundindo-se  com o negrume da noite. A riqueza da ilustração ainda sugere a presença de um olho que tudo vê, tudo observa. O título do livro em letras vermelhas se destaca no fundo escuro.  

            “Para tocar tuas mãos” é um livro de crônicas.  Três epígrafes demarcam sutilmente uma tripartição das crônicas. A epígrafe é um paratexto, para usar a terminologia de Gérard  Genette.  O paratexto é utilizado  para complementar o texto, dar revelo ou mais beleza.  A escolha das epígrafes está intimamente relacionada com as crônicas. A primeira é de um poeta, Ferreira Gullar: Porque tudo que acontece, acontece uma única vez; a segunda é de um cantor/compositor, Djavan: E a tua história, eu não sei. A terceira é do cronista/poeta: Bela era a vida, no dia em que a vi.

            As crônicas chamam a atenção do leitor por um aspecto estilístico – frases curtas, bem pontuadas que mais se assemelham a textos poéticos.
 “Pela janela”  (p. 48-49)  é a descrição de uma viagem ao interior da Paraíba. Da janela do carro, o observador presencia a paisagem que se descortina no planalto, avista as serras e as nuvens que parecem colchões de algodão. O rio, as aves, os animais que cruzam o asfalto, tudo é descrito sob o olhar de quem sabe que “o essencial é saber ver o que os outros não veem”. Nesta crônica, o estilo telegráfico de William aproxima-se do mestre Graça – frases curtas, diretas, pontuação bem marcada.
            No céu, flutuam cinzentos colchões. Sugerem que vai chover no Sertão. O azul rompe no horizonte. Os colchões transformam-se em flocos de algodão (p.48).

            Graciliano Ramos, no livro “S.Bernardo” faz uma descrição da natureza de forma poética.  Utiliza-se de inúmeras pausas como William.  
            Estávamos em fim de janeiro. Os paus-d´arco, floridos, salpicavam a mata de pontos amarelos; de manhã a serra cachimbava; o riacho, depois das últimas trovoadas, cantava grosso, bancando o rio, e a cascata em que se despenha, antes de entrar no açude, enfeitava-se de espuma. (S. Bernardo, 2006, p.109).   

            “Das coisas íntimas” (p. 83-86) relata o caminhar do cronista pela rua onde existe um cajueiro. É um cajueiro “mal-ajambrado e desprezado”, mas dá pouso para passarinhos, abrigo para lagartixas. Não é semelhante ao  cajueiro louvado por Rubem Braga, bonito, frondoso que dava  frutos deliciosos. Não resistiu a uma  noite de tempestade. A carta da irmã revela que estava carregadinho de flores.  Deixou doces recordações para todos. Era quase um bem de família. Esse é bem mais simples.  “...apenas uma árvore sem compostura que plantaram ou nasceu à toa, no meio da rua (p.83).  O sentimento afetivo que une os dois cronistas é o mesmo.

            “Para tocar tuas mãos”(p.117- 119)  é uma das crônicas mais enternecedoras  do livro. O primeiro parágrafo já é denunciador do que virá em sequência:
            Sou dado a ouvir histórias. E tenho particular interesse pelas narrativas das pessoas silenciosas. Aquelas que trazem um oceano de possibilidades nos olhos. E um dialeto desconhecido nos lábios (p.117).
            Esse texto poderia muito bem ser assim apresentado:
            Sou dado a ouvir histórias.
            E tenho particular interesse pelas narrativas de pessoas silenciosas.
            Aquelas que trazem um oceano de possibilidades nos olhos.
            E um dialeto desconhecido nos lábios.  

            Em vários momentos do livro, detectamos alusões diretas ou subtendidas à poesia de Cecília Meireles, uma das preferências poéticas do autor. Nessa mesma crônica, a referência a Cecília aparece de forma implícita no excerto:
            “ ... as mãos que deixam marcas indeléveis no coração de quem as tocam são as que não têm perfume” (p.118).

               A crônica “Tratado das borboletas” é um debruçar filosófico sobre a existência da vida.  O espaço geográfico escolhido é a Praça da Paz, fim de tarde. O cronista dirige-se à praça, senta-se em um banco e aparece uma companheira – uma borboleta.   Ela veio de mansinho e pousou na grama.  A borboleta e o cronista fitaram-se em silêncio. E surge a reflexão:
            Para conquistar uma borboleta faz-se necessário saber perdê-la. A borboleta é a encantação do mistério e da beleza (p. 123).
            Esta crônica é dedicada a Cecília Meireles, a poeta que também amou as flores, a natureza, as borboletas.  William e Cecília assemelham-se no gosto pelas coisas fugidias da vida.

            Em “Lamento de náufrago”, o cronista intertextualiza textos poéticos de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e de Lúcio Lins. Lúcio era o poeta que tinha o mar como leme.  Era como se o mar fizesse  parte do seu próprio corpo. É uma elegia em prosa  à maneira das elegias que Cecília Meireles escreveu para sua avó Jacinta Garcia Benevides. O mesmo tom de lamento que se sobressai no poema ceciliano perpassa pelas linhas do texto em prosa de William Costa.    

 Quarenta e duas crônicas estão presentes no livro.  Impossível seria tecer considerações sobre todas elas. A pequena amostragem foi suficiente para demonstrar a  presença do lirismo e da afetividade.  O leitor sente que existe um entrelaçar amoroso entre esses dois aspectos.  São crônicas grávidas de afeto.

( Cabo Branco, de 26 de maio a 02 de junho de 2017).    


domingo, 5 de abril de 2015

josé leite guerra


José Leite Guerra no reino da literatura popular
( Neide Medeiros Santos)






        
         Passa boi, passa boiada
         Passa o tempo, passa o vento
         Passa rápido, passa lento
         Passa o velho, passa o novo
         Passa o vaqueiro de novo
         Passa tocando a boiada.
         ( Passa, passa, passa... Adalberto Antônio de Lima. Usinadeletras)


“Boi de Fogo e Proezas com Geringonça”, de José Leite Guerra, poeta, contista e cronista paraibano  foi um dos  livros   escolhidos para ser analisado durante o encontro de Sol das Letras, realizado na Academia Paraibana de Letras.  Condizente com o trabalho de Altimar Pimentel, folclorista que deixou um grande legado a respeito da literatura popular na Paraíba,  os  contos deste livro  estão intrinsecamente ligados às raízes populares da literatura nordestina.  
          O livro está dividido em duas partes. Na primeira, figuram três contos: “Boi de fogo”, “Comadre Florzinha” e “Rio Margem Só”. Na segunda parte, encontramos vários contos que têm como protagonista Geringonça. 
         Os dois primeiros se prendem às histórias de mistério e assombração. “Boi de Fogo” guarda afinidades com as histórias do  ciclo do boi, muito bem analisadas por Bráulio Nascimento no ensaio “O ciclo do boi na poesia popular”. Encontramos inúmeros folhetos de cordel em que a figura do boi e do vaqueiro valente  são constantes. Certamente José Leite Guerra leu esses folhetos, considerados clássicos no gênero da poesia popular. 
Mas  “Boi de Fogo”  apresenta traços distintos dos romances do ciclo do boi.  Se o boi do fazendeiro português soltava fogo e queimava casas e plantações, se parecia invencível diante dos vaqueiros não resistiu ao bailado hipnótico do folguedo boi-bumbá. Como na ficção tudo é possível, um boi de papelão venceu um boi verdadeiro.                                                
         “Comadre Florzinha” é uma personagem mitológica da zona da mata de Pernambucano e Paraíba. É uma cabocla de longos cabelos negros, protege a natureza e  persegue aqueles que caçam e matam animais.  Gosta muito de fumo e de mel, esses são seus presentes preferidos.
 O conto apresentado relata um encontro de amigos caçadores que partem para uma caçada e discutem se realmente existe essa personagem protetora dos animais. Na noite escura, tudo é motivo para medo – um assovio, um farfalhar de folhas, um quebrar de galhos e por fim a desistência da caçada, tudo por conta da Comadre Florzinha que ninguém sabe se é lenda ou mito.
         O último conto dessa primeira parte – “Rio margem só” – foge  um pouco da temática dos anteriores, aproxima-se do conto de Guimarães Rosa – “ A terceira margem do rio”. A contenção linguística se faz sentir a partir do próprio titulo.  Outro aspecto que nos chama a atenção é a presença das reticências, todas alusivas ao rio, como nestes exemplos:
         “ Ali ninguém navega...” (p.37)
         “ O jeito que tem é aguentar. Pior perder o filho com a fuga do rio...” (p. 39)
         No conto de Guimarães Rosa, o pai se foi em uma canoa rio abaixo e não mais voltou; no conto de José Leite Guerra é o próprio rio que vai embora, deixando em todos os ribeirinhos “uma saudade macia, corrediça”. (p. 41).
         Após a leitura desse conto, compreendemos o porquê do título, sem água o rio não tinha as duas margens, era um rio de uma margem só, um rio seco, um rio que um dia foi rio.
         Geringonça é o protagonista dos textos que integram  a segunda parte do livro.   Se não chega a ser um pícaro, no sentido estrito da palavra, é um personagem aventureiro e às vezes mal sucedido em suas diabruras.
         Em “Nota dirigida aos leitores”, o autor afirma que Geringonça é seu filho de criação (literária) e garante que não é de proveta. Não lhe deu idade nem rosto, mas certamente muitos se identificam com esse personagem com alma de criança,  travesso e desastrado,  um Quixote à moda nordestina.  
         “Proezas com Geringonça” é formado por pequenos contos interligados por um fio condutor, seria uma espécie de “Vidas Secas”, com quadros desmontáveis que podem ser lidos em conjunto ou de forma separada.
         Dentro dos contos desta segunda parte, destacamos “Mistérios na matinê”.
         No Cine Pavão, a gurizada se divertia com os filmes de mocinhos e bandidos e a programação do dia era o filme “O mistério do Cavaleiro da Verdade.” Geringonça preveniu os amigos – vai acontecer algo diferente. Ninguém acreditou. Mal o filme começou, aconteceu o que Geringonça havia previsto  – o ator que fazia o papel de mocinho apareceu no palco em carne e osso. Todos foram levados pela surpresa de verem o cavaleiro vivo fora da tela a conversar  com as crianças em português. Fato realmente inusitado.
         Aqui abrimos um parêntesis para lembrar que este conto foi publicado em 1978. Sete anos depois,  em 1985, Woody Allen, no filme “A Rosa Púrpura do Cairo”, apresenta-nos um personagem que sai da tela, apaixona-se por uma espectadora e os dois  vivem um grande romance de amor.        
         Em  “Mistérios da matinê” não existe um grande amor, mas o personagem, representado pelo ator que tudo vence através  da violência, também sai da tela e conversa com os meninos que eram  apaixonados por filmes de faroeste. Não falta a advertência do personagem: vim para desmascarar a fantasia da violência.
         Conto e filme nos levam a concluir a sábia lição do Eclesiastes:
         O que já foi, isso será. O que já se fez, isso se fará; nada de novo debaixo do sol. Uma coisa da qual se diz: Eis aqui uma coisa nova, justamente esta existiu nos séculos que nos precederam.”  (Eclesiastes: 1:9-10) 
         Da leitura desses contos de José Leite Guerra que mescla o popular com inovação linguística, boa dose de poeticidade, linguagem concisa e   saber literário,    resta-nos a certeza de que estamos diante de um escritor que sabe lidar com as palavras de forma consciente e consistente.
 Tomo por empréstimo  palavras do poeta Manoel de Barros que se coadunam muito bem com os contos de José Leite Guerra:  “O  que dá grandeza ao poeta não é o assunto que ele usa, mas a maneira  com que trata o assunto.”

Nota(1)  Texto apresentado na Academia Paraibana de Letras no dia 26 de fevereiro de 2015, no projeto Sol das Letras. 
Nota (2).  Estamos reativando o blog: Eu amo literatura. Passaremos a editar textos relacionados com os autores paraibanos.  


         Referências

BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Edições Paulinas, 1967.
GUERRA, José Leite. Boi de Fogo e proezas com Geringonça. 2ª ed. João Pessoa, Manufatura, 2008.
LIMA, Adalberto Antônio de. Passa, passa, passa... usinadeletras. Disponível em www.usinadeletras.com.br. Acesso em 05 de abril de 2015, 15:31.

NASCIMENTO, Bráulio et al. Literatura Popular em Verso. Estudos. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986. 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Um conto natalino



UM CONTO NATALINO

 
            (Neide Medeiros Santos – Crítica literária –FNLIJ/PB)
            [...]
            Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
            Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
            Ele é o humano que é natural,
            Ele é o divino que sorri e que brinca.
            E por isso é que eu sei com toda a certeza
            Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
            (Alberto Caeiro. O Guardador de Rebanhos. Poema VIII).
           
            Na época de Natal, lembramos sempre de contos que falam sobre esta festa celebrada no mundo inteiro. Nesse universo de contos natalinos, desponta o tradicional “Missa do Galo”, de Machado de Assis.  Há outro conto, dentro da temática natalina, que nos remete à infância e às leituras que fazíamos no período de férias, é o poético e enternecedor conto de Hans Christian Andersen – “A pequena vendedora de fósforos”.
            Este ano, sugestão de presente natalino, apresentamos um livro editado em João Pessoa pelo Fundo Municipal de Cultura que traz uma bonita história, trata-se de “Os trinta dinheiros do Rei Melchior”, de Alberto Correia, escritor português, que contou com ilustrações da artista plástica paraibana Analice Uchoa. O livro foi lançado no dia 27 de setembro de 2012, na Galeria Gamela.   Na ocasião do lançamento, houve exposição das telas de Analice Uchoa que ilustraram o livro.
            Alberto Correia, em nota ao livro, explica que a história dos trinta dinheiros do rei Melchior foi inspirada no conto do monge alemão João de Hildesheim que viveu nos anos 1300, na Alemanha. São palavras do escritor português:
            “Foi esta história mais alargada de pontos, que eu escrevi para o Natal de 2010.” Este ano os paraibanos tiveram a oportunidade de conhecer o texto já divulgado em Portugal.
            Analice Uchoa é natural de Campina Grande, radicada há muitos anos em João Pessoa. Atualmente é reconhecida como “expoente da pintura naif” na Paraíba. A artista retrata em suas telas fatos e coisas do cotidiano nordestino com um colorido forte e vibrante.            
            “Os trinta dinheiros do rei Melchior” é um conto acumulativo, feito de textos encadeados que começam com o surgimento do cristianismo na Terra. O primeiro remonta aos primórdios do cristianismo com os personagens bíblicos do Antigo Testamento – Abraão, Jacob, José do Egito, Salomão, Moisés.
            Muitos anos se passaram e a narrativa prossegue chegando ao Novo Testamento. O segundo momento situa o reino dos caldeus, época em que governava um rei que tinha por nome Melchior. Era um rei sábio que gostava de astronomia e de observar o céu. Ele sabia que iria surgir uma nova estrela para anunciar o lugar do nascimento de um Grande Rei.
             Numa noite de dezembro, apareceu a esperada estrela e Melchior resolveu seguir o caminho apontado pela estrela e levou um tesouro para ofertar ao Novo Rei – uma bolsa antiga com trinta moedas de ouro. No caminho, ele encontrou dois outros reis – Gaspar e Baltasar que resolveram acompanhá-lo até o local do nascimento indicado pela brilhante estrela e ofertar presentes ao recém-nascido.  
            Os reis chegaram ao destino desejado e depositaram seus presentes aos pés daquele Rei que nasceu de modo simples e pobre em uma manjedoura.
            Engana-se quem pensa que a história termina com o oferecimento dos presentes dos reis, seguem-se muitas outras e as trinta moedas de ouro vão passar por outras mãos, mas isso só vai ser possível saber lendo o livro na íntegra.  
            Não poderia deixar de fazer referência às belíssimas ilustrações de Analice Uchoa. O livro está dividido em treze capítulos e Analice fez ilustrações para todos os capítulos. As cores tropicais, vibrantes e fortes, estão presentes nos pés de ipês de cores variadas, nos animais domésticos – bois, ovelhas e burrinhos que se apresentam ao lado dos camelos. A paisagem nordestina convive fraternalmente com a oriental.
            Aliado a tudo isso, destacamos outros elementos que enriquecem o livro - um mapa contendo toda a trajetória da aventurosa viagem dos reis até chegar a Belém, e gráficos com a linha do tempo, representando “Tempo antes de Cristo” e “Era Cristã”.
            O livro encanta pela linguagem bem cuidada de Alberto Correia e as ilustrações de Analice Uchoa.  

            NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

            GRACILIANO RAMOS
            Atendendo a convite da jornalista Clarice Cardoso, “Carta Fundamental”, escrevemos um texto sobre o escritor alagoano Graciliano Ramos, com ênfase para os livros infantis – “A terra dos meninos pelados”, “Pequena história da República” e “Histórias de Alexandre.” A revista “Carta Fundamental” integra o grupo da revista” Carta Capital” e são colaboradores, entre outros, Ana Maria Machado, Marcos Bagno e Braúlio Tavares. É uma revista mensal dirigida a professores e educadores.  Nosso texto saiu na revista do mês de dezembro e já  está disponível nas bancas de revistas.






quinta-feira, 8 de março de 2012

Violeta Formiga homenageada



Violeta Formiga: uma homenagem merecida

(Neide Medeiros Santos) **

Os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia.
(Otávio Paz. O desconhecido de si mesmo).

Violeta de Lourdes Gonçalves Formiga este é o nome completo da poeta. Violeta Formiga é o nome artístico. Vítima da sanha de algum menino perverso que não queria a sua convivência com os humanos, voou, como diz o poeta Manuel Bandeira, para o céu dos passarinhos no dia 21 de agosto de 1982. Denominar este colégio de Violeta Formiga é uma homenagem que o prefeito Ricardo Coutinho presta a quem soube cantar a liberdade como os grandes poetas e citamos, entre outros, o romântico Castro Alves, o chileno Pablo Neruda e o moderno Ferreira Gullar.
Para melhor compreender a dimensão poética de Violeta Formiga, julgamos necessário fazer um breve relato biográfico, trazer opiniões de poetas e jornalistas registradas em jornais por ocasião do lançamento de seu livro póstumo – Sensações e apresentar alguns poemas de sua lavra.
Violeta nasceu na cidade de Pombal, sertão da Paraíba, no dia 28 de maio de 1951. Era filha de José Formiga e Dona Prima Gonçalves Formiga. Passou a infância e adolescência na cidade de Pombal. Estudou no Colégio Diocesano e na Escola Normal Arruda Câmara na sua cidade natal. Em 1971, transferiu-se para João Pessoa e ingressou na Universidade Federal da Paraíba no curso de Psicologia. Na Universidade, já revelava tendências para a poesia e começou a divulgar seus poemas nos jornais da capital e no jornal literário Correio das Artes.
A poeta paraibana viveu apenas 31 anos, tinha quase a mesma idade de Augusto dos Anjos (30), e como Augusto deixou apenas um livro – Contra Cena. Após a sua morte, os amigos reuniram poemas inéditos e publicaram Sensações, uma edição póstuma. Pinçamos algumas opiniões dos amigos que se encontram, também, registradas nesse livro.
O escritor e jornalista Anco Márcio destaca, com muita emoção, o local escolhido para alojar a bala assassina:
Logo no coração. Meu Deus, no lugar onde ela guardava todo o seu estoque de poesia.
O jornalista Evandro Nóbrega traça o retrato físico de Violeta Formiga que pode ser confirmado pelo trabalho do artista plástico Domingos Sávio:
Morena, com um ar de boneca ágil, pequena, sorridente, bonita a seu jeito, pulsante de cor e energia. Os olhos pretos, vivos, penetrantes, prazenteiros, joviais.
O cronista Francisco Pereira Nóbrega deixou expresso, nessas palavras, a maneira de ser de Violeta e seu desejo de ser pássaro:
Violeta, onde estiver, estará repetindo a primeira frase que me disse: “deixaram a gaiola aberta o passarinho voou. Achei foi bom.”
A professora Wilma Wanda lamenta não poder acompanhar a poeta na sua nova trajetória:
Minha tristeza é não poder acompanhar contigo o desenho dos pombos voantes, o destino dos trens pelas montanhas e o brilho tênue de cada estrela brotando à margem do crepúsculo.
O poeta Cláudio Limeira, com poucas palavras, resume o canto poético de Violeta:
Cante a última canção sem viola.
Não sou poeta, mas ousei deixar um registro a respeito de Violeta Formiga no livro Sonho de uma feliz cidade, organizado por Heriberto Coelho em 2007, com selo do Sebo Cultural:
[...] no dia 21 de agosto de 1982, a cidade de João Pessoa, que acolhia a poeta de Pombal com afagos de mãe, acordou mais triste, acordou sem Violeta Formiga.
O mês era agosto e João Pessoa amanheceu sem... Violeta Formiga.
Feitas essas breves considerações, vejamos dois poemas de Violeta, representativos do seu jeito de poetar e cantar a vida.
No poema Dádiva que apresentaremos a seguir, nota-se o desejo de voar e de ser pássaro:
Dádiva
Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu útlimo
castigo).

Ária No.3 é outro poema revelador do desejo de ser pássaro e da angústia existencial vivenciada pela poeta. Comprovemos:
Ária No. 3
Um pássaro noturno
vagueia
a procura da sua própria
procura.
A cantar para o vazio
a mesma balada
sai repetindo
sua triste canção de angústia
por se encontrar
no tempo sozinho.

Para concluir, apresentaremos, a seguir, um Poema Colagem, uma montagem que organizamos, um resumo da vida e da poesia de Violeta Formiga e um poema de Paulo Nunes Batista, poeta paraibano, radicado em Goiás que, após a leitura da plaquete Violeta Formiga: 25 anos de encantamento, escreveu esta bonita canção: Canção para a desconhecida amiga Violeta Formiga.
Poema Montagem:

EU, Violeta Formiga
Saio de mim mesma
como pássaro
do ovo.
De espaço
e asas
faço meu aprendizado,
mágico vôo.

Minha vida
por uma única
palavra:
Liberdade.
(Então eu
serei feliz
como os anjos
que ainda não
nasceram).

Não deixe que eu morra
me sinta.
É assim que eu sou
alegre e triste,
eterna e efêmera
amante do belo
e da miséria companheira.

Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu último
castigo).

Canção para a desconhecida amiga Violeta Formiga

Violeta Formiga
cumpriu sua carma
armou seu vôo
de Mulher passarinho
de ternura morena
com seu Sorriso aberto
seu Olhar de noite irrevelada.

Violeta suspiro de viola
lágrima de flauta doce
risada de violão na tarde
choro de bandolim amadrugado
plano deseperado na chuva
expirar de onda na praia.

E essa distância fragrante da manhã?
E essa solidão de música insatisfeita?
E essa Violeta disfarçada em risos?
E esses rastros de luz pelo Caminho?

Peço-te perdão
por todos os homens
que esmagaram em ti
as pétalas de luz,
Violeta...

Há um pombal voando
nas asas do teu nome.

Os poemas utilizados no texto montagem foram extraídos dos livros Contra Cena e Sensações. O poema de Paulo Nunes Batista, do livro Samburá da Parahyba.
(* Texto apresentado na Escola Municipal Violeta Formiga, no dia 5 de junho de 2009, por ocasião da entrega de 200 livros de literatura infantil e 20 livros de autores paraibanos para a Biblioteca da Escola e publicado no blog "Eu amo literatura" no dia 08 de março de 2012 - Dia Internacional da Mulher).
(** Neide Medeiros Santos é coordenadora do Projeto “Mandala de Livros” e Representante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil na Paraíba Pertence à Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba e sua patrona é Violeta Formiga).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Maria Campos: moça de muitos nomes

MARIA CAMPOS: a moça de muitos nomes
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Não sei quantas almas tenho.
( Fernando Pessoa)

Stella Maris Rezende é mineira de Dores do Indaiá, nome poético e nostálgico para uma cidade. É atriz, escritora e publicou inúmeros livros para adultos e jovens. Recebeu prêmios importantes, como o Nacional João-de-barro e foi indicada três vezes para o Jabuti. Em 2010, conquistou o Prêmio “Barco a Vapor de Literatura” com o livro “A guardiã dos segredos de família”. (Ed. SM. 2010). Em 2011, pela Editora Globo, dentro da linha do “romance de aprendizagem”, publicou” A mocinha do Mercado Central”. É sobre este último livro que iremos tecer algumas considerações.
Presente e passado se entrecruzam nessa narrativa que reúne cinema, literatura, teatro e romance. Para Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia e escritor, a prosa deste livro lembra, profundamente, o fluxo inconsciente da psicanálise. É, também, um guia no caminhar das ruas por diversas cidades brasileiras.
Na apresentação do livro, o ator e diretor de cinema, Selton Mello, afirma: “Em tempos anêmicos, essa leitura faz sonhar e encher o peito de alegria”. Vamos acompanhar as trilhas da personagem central Maria Campos, a mocinha do Mercado Central, e encher o coração de alegria por meio da leitura desse livro cheio de mineirice.
Maria Campos nasceu na mesma cidade de Stella Maris – Dores do Indaiá, filha única de Bernardina Campos e de pai ignorado. Tinha apenas o sobrenome da mãe. “A mãe fora violentada durante um assalto a um ônibus em que viajava de Belo Horizonte para São Paulo.” (p.17). Dessa união indesejada, nasceu a filha, mas a mãe era toda desvelo, dedicou a vida àquela que fora fruto de um estupro.
Antes de iniciar o roteiro das viagens e acompanhar Maria Campos por diversas cidades brasileiras, vamos conhecer Valentina Vitória, uma vizinha de Dores do Indaiá que tinha um sobrenome bem longo – Valentina Vitória Mendes Teixeira Couto. Foi esta vizinha bonita de cabelo comprido, cheio e cacheado, com pai e mãe que “viviam de mãos dadas” que ensinou a Maria Campos o significado de muitos nomes próprios, e deu esta explicação: “Cada nome tem a sua magia.” (p. 15).
Ao completar dezoito anos, Maria resolveu deixar a pacata cidadezinha do interior de Minas e conhecer outras cidades. Procurou convencer a mãe com este argumento: “Passar algum tempo fora da casa materna seria bom, diferente, aventuroso, e com certeza daria a ela Maria muitas oportunidades de aprender muitas coisas, coisas que a pia cheia de louça e a mãe sozinha não podiam ensinar.” (p.20) E partiu.
A primeira cidade escolhida foi Brasília. Para cada cidade visitada, Maria Campos iria adotar um nome diferente. Em Brasília, escolheu o nome de Zoraida, e foi trabalhar em um restaurante simples, feito de tábuas pintadas de azul-piscina.
A segunda aventura foi a cidade de São Francisco, não da Califórnia, mas do Norte de Minas Gerais. E veio um novo nome, agora era Teresa – “a que carrega as espigas de trigo”. Quando chegou naquela cidade que tinha nome de santo, sentiu-se “absurdamente disposta.” Trabalhou como enfermeira em um hospital e conheceu a dor de partir muito cedo – a morte do menino Tadeuzinho e de uma jovem mãe.
Na terceira aventura, o destino foi São Paulo. Agora seu nome era Simone, “aquela que escuta” e escolheu ser vendedora ambulante na Rua 25 de Março. Era um trabalho duro, tinha que limpar, organizar, mostrar, gritar, vender, agradecer e dizer: “volte sempre”. Um dia, veio a vontade de partir para uma nova aventura e Belo Horizonte foi o próximo pouso.
Miriam era seu novo nome, que significa “a filha desejada”. Quando chegou a Belo Horizonte, foi procurar o apartamento de uma tia que morava nas proximidades do Mercado Central. Dirigiu-se a um rapaz que desenhava com uma prancheta sobre os joelhos, sentado em um banco da Praça Raul Soares e perguntou-lhe onde ficava o Mercado Central. O apartamento da tia ficava nas proximidades do Mercado Central e o rapaz deu-lhe todas as indicações – ficava entre a Augusto Lima e a Goitacazes.
Tia Marta, “aquela que reina em casa”, morava em um apartamento pequeno, mas confortável. Havia um quarto-biblioteca no apartamento e a tia estava sempre lendo, “parecia que o livro era um namorado que ela ia beijar e abraçar.” (p.57)
O Rio de Janeiro foi o próximo destino de Nídia, nome de origem latina que significa “saído do ninho”. E a sugestão de visitar o Rio veio de tia Marta, ela tinha um apartamentozinho em Copacabana, Maria, agora Nídia, poderia ficar uns dias por lá, deu-lhe a chave, o endereço e um mapa da cidade do Rio de Janeiro. Tia Marta pediu-lhe uma coisa em troca: “Quero que vá ao Real Gabinete Português de Leitura” (p.61).
Essa visita ao Rio trouxe-lhe agradáveis surpresas. Na biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, encontrou um volume sobre a mesa. Pegou o livro e começou a folhear. Na capa estava escrito Fernando Pessoa e ela se lembrou de que Fernando é de origem germânica e significa “guerreiro destemido”. E começou o ler aquele livro, foi lendo, lendo e encontrou este poema:
“Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.

E leu mais. Descobriu que Fernando Pessoa virava Alberto Caeiro. E virava Álvaro de Campos. E virava Ricardo Reis. Coisa que ela também gostava de fazer.
Mas o Rio ainda tinha boas surpresas. Entrou na Confeitaria “Traiteurs de France” para tomar um café e comer um “financier” e viu alguém importante entrando. Era ele, Selton Mello. Seu coração disparou. Há muito sonhava com esse encontro desde o tempo em que assistira “Lisbela e o prisioneiro”, no Cine Serra da Saudade, em Dores do Indaiá. Dirigiu-se para o ator e disse-lhe:
“- Selton, eu me apaixonei por você.” (p. 84)
Essa declaração foi o início de uma longa conversa. Nídia não acreditava que estava vivendo aquele momento mágico, conversando com Selton Mello.
Outras viagens, outras surpresas e Maria Campos ganhando novos nomes, novas aventuras. O romance juvenil termina com a mocinha da Estação Central retornando à cidade natal. Recebe o afago da mãe e a triste noticia do suicídio da amiga Valentina Vitória.
As inúmeras viagens e as várias cidades visitadas por Maria Campos demonstram que estamos diante de um verdadeiro “romance de aprendizagem”.
( Texto publicado no jornal “Contraponto”. João Pessoa, fevereiro de 2012)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

fábulas ecológicas modernas

Fábulas Ecológicas Modernas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Da viola do urubu
sapo caiu no penhasco,
gritando: “Arreda, lajedo,
sai, pedra, senão te lasco!”
(Marcus Accioly. Da festança-no-céu. In: Guriatã: um cordel para menino)

A palavra fábula tem origem latina e aparece em outras línguas sempre com o mesmo sentido – conta uma história tendo como protagonistas animais. Quanto à origem, remonta a tempos muito antigos. Embora se fale nas fábulas de Esopo (Grécia, VI a.C.,) Fedro (Roma, século I), La Fontaine (França, século XVII), o Oriente é considerado o berço deste gênero literário.
Câmara Cascudo, em “Literatura oral do Brasil” (1984:87), afirma que as histórias de animais, as fábulas clássicas, são milenárias. Os europeus representavam os temperamentos humanos sob a forma de animais. Para africanos e ameríndios, os animais viviam essa própria ação anímica e eram dotados de todos os poderes e raciocínios dos humanos. Possuíam o segredo do fogo, do sono e de certos vegetais.
Nas primeiras décadas do século XX (1920/1930), Monteiro Lobato procurou retirar o ranço moralista que envolvia as fábulas e deu-lhes nova roupagem ao escrever as “Fábulas de Narizinho” (1921).
Em carta ao amigo Godofredo Rangel (8 de setembro de 1916), Lobato expõe o esboço de um projeto: “Ando com várias ideias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades”.
Na história da literatura as fábulas sempre retornam, modernamente aparecem destituídas das antigas moralidades e apresentam novas maneiras de ver o mundo, conservando, porém, a presença de animais falantes e que agem como os seres humanos.
É dentro desta nova linha de fábulas que o escritor paraibano, radicado em Recife, o médico psiquiatra Luiz Carlos Albuquerque, escreveu duas histórias – “As aventuras de Urubill” e “Batra, o sapo”, livros publicados pela Editora Bagaço, Recife, 2011. Além de escrever para crianças, contos e cordel, Luiz Carlos Albuquerque é autor de um ensaio sobre Augusto dos Anjos – “Eu, singularíssima pessoa”, livro que foi consultado pelas pesquisadoras do projeto “Redescobrindo as Trilhas de Augusto dos Anjos” para escrever a “Biobibliografia de Augusto dos Anjos” (Ed. Universitária, UFPB, 2008) e “Augusto dos Anjos em imagens: uma fotobiografia” (Ed. Ideia, 2010).
Mas vamos em busca das fábulas fabulosas criadas por Luiz Carlos Albuquerque.
Urubill é o protagonista do livro “As aventuras de Urubill” e habita a região do açude Prata, no bairro de Apipucos, em Recife, é um urubu caminhante, gosta de dar longos passeios e voos rasantes pelas margens do rio Capibaribe. O interessante desta fábula é a amizade que surge entre o Urubill e a garça Graça. Esta ensina o amigo a comer peixe. Urubill abandona os antigos hábitos alimentares e passa a comer peixes e vegetais.
Dentre os amigos de Urubill, destacam-se Sombra, Gardel e Flatista Sombra era um urubu com ares de poeta, ficava pousado em uma jaqueira “lendo poemas de um tal de Augusto dos Anjos, repetindo várias vezes o trecho predileto deste poema: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte!”
Batra é um sapo e o personagem principal de “Batra, o sapo”. Andarilho por natureza, gostava de fazer caminhadas noturnas pelas ruas do Recife na companhia do jovem poeta Austro Costa, isso lá pelos anos de 30 e 40 do século XX. Morava na curva do rio Capibaribe, perto do Palácio das Princesas. Era muito, muito velho, dizia que conhecera pessoalmente o Conde Maurício de Nassau e Tabira, o chefe tabajara.
Tinha o hábito de reunir os sapos menores e os adultos e lá vinham histórias do Recife antigo relembradas por Gilberto Freyre no livro “Guia Prático, Histórico e Sentimental do Recife”, com 1ª edição em 1934 e reeditado diversas vezes. Dizia o Mestre de Apipucos:
“Os maus urbanistas quiseram aterrar primeiro o Beberibe, depois o Capibaribe para sobre esses ex-rios edificarem casas, apartamentos e vilas disto ou daquilo”.
Os rios não morreram de sede, mas tiveram, com o desenvolvimento da cidade, seus cursos alterados, sofreram mutilações, aterraram seus mangues, construíram edifícios, shopping center, abriram-se avenidas e os rios do Recife foram perdendo o encanto e a magia dos versos decantados pelo poeta Austro Costa:
“Rio Capibaribe
Capibaribe meu rio,
espelho do meu sonho”.

Temos muito o que aprender com as fábulas, com os animais, com os rios. Luiz Carlos Albuquerque, com essas duas fábulas modernas, ensina-nos a conviver pacificamente com a natureza, a não poluir os rios e a respeitar o meio ambiente.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

a megera idomada

A MEGERA INDOMADA E O PROFESSOR INESQUECÍVEL
(Neide Medeiros Santos)

(Para Auxiliadora – que guarda boas lembranças do meu professor inesquecível)

Todos que passaram pelos bancos escolares têm, na memória, a imagem de um (a) professor (a) inesquecível. Guardo, nas minhas lembranças, a figura de uma professora de Matemática da 4ª e 5ª séries do curso primário. Seu mau humor inspirava medo e as aulas de Matemática, que não me despertavam o menor interesse, tornavam-se um tormento para aquela menina que gostava muito mais de escrever, fazer composições com os quadros da Editora Melhoramentos do que aprender as quatro operações, MDC, MMC e resolver problemas intrincados de Matemática.
Muitas vezes fui colocada para fora da sala de aula por essa professora sob o argumento de que não me concentrava nas aulas e estava distraindo as colegas que queriam estudar. Felizmente, a palmatória já tinha sido abolida do colégio em que estudava, se isso ainda fosse uma prática corriqueira seriam doze palmadas em cada mão, como Pilar, aquele menino do “Conto de Escola” de Machado de Assis.
Somar, diminuir, multiplicar, dividir e fazer conta de cabeça foi um duro aprendizado – de um lado, a tortura, as dificuldades inerentes àquela que não gostava nem de Matemática nem da professora; do outro lado, a necessidade de saber as quatro operações para não ser reprovada. Hoje sei que a ojeriza a esta disciplina era fruto do não entendimento professora/aluna.
Ascenso Ferreira, no poema “Minha Escola”, fala também das dificuldades que teve na escola: encontrou um professor carrancudo como um dicionário e inacessível como “Os Lusíadas” de Camões. Para consolo do menino, à noite, em sua casa, havia uma velha ama que lhe contava histórias do reino da mãe d´água e lhe ensinava a tomar a bênção à mamãe lua.
No período em que fui aluna da megera indomada, eu não tinha uma velha ama para me contar histórias, mas tinha um irmão, estudante de engenharia, que me revelou alguns segredos da Matemática e também a resolver os problemas dessa disciplina. Esse irmão foi meu verdadeiro PROFESSOR INESQUECÍVEL, pois me encaminhou pelas áridas veredas dos números e consegui, no fim do ano, ser aprovada com boas notas.
O nome da professora? Não importa. Seu nome e sua imagem estão bem gravados na minha memória, prefiro, contudo, chamá-la de MEGERA INDOMADA.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TRÊS MULHERES, TRÊS DESTINOS TRÁGICOS

TRÊS MULHERES, TRÊS DESTINOS TRÁGICOS

(Neide Medeiros Santos – Crítica literária da FNLIJ/PB)

Procura-se um sorriso
que se perdeu ontem
por volta das cinco letras
A-D-E-U-S.
(Maria Cristina Batista da Silva. Procura-se um sorriso. In: Anúncios Poéticos: UFPB, 1990).

Há 28 anos, no dia 21 de agosto de 1982, morria assassinada pelo ex-marido, a poeta e psicóloga Violeta Formiga. No momento em que a violência contra a mulher está sendo posta em discussão, não poderia deixar de lembrar esta data. Estendo a homenagem para outras mulheres paraibanas também vítimas da violência masculina: Margarida Alves e Maria Cristina Batista da Silva. Para se escrever a história de mulheres paraibanas que desapareceram de forma trágica, nos anos 80 e 90 do século XX, há de se passar, obrigatoriamente, por essas três mulheres.
Quem foi Violeta Formiga?
Psicóloga e, acima de tudo, poeta. Nasceu em Pombal (PB) e veio adolescente morar e estudar em João Pessoa. Fez o curso de Psicologia na UFPB e aqui se casou. Publicou em vida, um único livro de poesias – “Contra Cena”. “Emoções”, seu segundo livro, é póstumo.
O que desejava Violeta?
Apenas a liberdade, ser livre como um pássaro, como bem disse neste poema:
Dádiva

Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu último
castigo).
Quem foi Margarida Alves?
Líder camponesa que almejava dias melhores para seus companheiros de sindicato rural, não temia a morte nem tampouco o poder dos ricos usineiros. Foi fundadora do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural em Alagoa Grande.
Qual foi o seu destino?
Morta com um tiro no rosto, na porta de sua casa diante dos filhos menores, no dia 12 de agosto de 1983. Morte encomendada. O poeta João Cabral de Melo Neto descreveu, no poema “Morte e vida Severina”, o tipo de morte de Margarida Alves:
(...)
Que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.

Margarida já havia passado dos vinte anos, mas ainda tinha muito tempo pela frente para defender seus irmãos que morriam de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia.
Quem foi Cristina Batista?
Uma estudante de Letras da Universidade Federal da Paraíba que tinha um belo sonho, menos ambicioso do que o do líder negro Martin Luther King, desejava um dia ser professora e escrevia pequenos poemas nas aulas de Literatura Infantil da UFPB.
Mas o que aconteceu?
Foi morta na calada da noite em janeiro de 1990 e jogada em uma vala na BR- 230, na estrada que liga João Pessoa a Cabedelo.
Onde estão os assassinos?
No mês de agosto, quando completa 28 e 27 anos do desaparecimento de Violeta Formiga e de Margarida Alves não poderia deixar de fazer este registro e conclamar todas as mulheres paraibanas para que lutem por liberdade, justiça e acalentem seus sonhos – o sonho de um país em que as mulheres tenham voz e vez.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa

A LINGUAGEM DA PAIXÃO: a “Pedra de Toque” de Mário Vargas Llosa

Piedra de Toque refleja lo que soy, lo que no soy, lo que creo, temo y detesto, mis ilusiones y mis desánimos, tanto como mis libros, aunque de manera más explícita y racional.
(Mário Vargas Llosa. Piedra de Toque) ·.

A Linguagem da Paixão (El Lenguaje de la Pasión. Punto de Lectura, 2003), de Mário Vargas Llosa, reúne artigos publicados pelo escritor peruano, em sua coluna “Piedra de Toque”, no diário El País de Madrid, entre os anos 1992 e 2000.
Os pequenos artigos de Vargas Llosa oferecem uma visão e uma análise da conturbada sociedade do fim do século, com abordagens de temas variados: problemas culturais, notas de viagens, literatura, pintura, música e acontecimentos da atualidade. São 46 textos escritos em diferentes partes do mundo e publicados, quinzenalmente, através do jornal El País.
Em 1998, Llosa ganhou o Prêmio José Ortega y Gasset, na Espanha, pelo texto – Nuevas Inquisiciones, incluído nessa coletânea. O periodista relata o escândalo em que foi envolvido o ministro inglês Ron Davies e condena a imprensa sensacionalista que se aproveita de certos casos para se intrometer na vida privada de pessoas importantes: políticos, artistas, intelectuais. Llosa trata o assunto de forma imparcial, longe do sensacionalismo de certos órgãos da imprensa.
Mas, no conjunto da coletânea, um texto nos chamou a atenção – La Señorita Somerset. O articulista conta uma história real que se assemelha a uma pura ficção e inicia com estas palavras:
A história é tão delicada e discreta como devia ser ela mesma e tão irreal como os romances que escreveu e devorou até o fim de seus dias.
Quem é a protagonista da história? Margaret Elizabeth Trask, uma inglesa nascida no inicio do século XX e que, a partir dos anos 30, escreveu e publicou histórias românticas utilizando o pseudônimo de Betty Trask. Ao morrer, Miss Trask deixou todos os seus bens avaliados em 400.000 libras esterlinas para a Sociedade de Autores da Grã-Bretanha. De acordo com seu testamento, esse dinheiro deveria ser atribuído como prêmio literário anual a um novelista menor de 35 anos que escrevesse uma “história romântica ou uma novela de caráter mais tradicional que experimental”.
Pouco a pouco, através da prosa fluente de Vargas Llosa, vamos conhecendo um pouco da vida dessa enigmática escritora. Margaret Elizabeth Trask passou a vida a ler e a escrever sobre o amor. Em seus 88 anos de existência, não teve nenhuma experiência amorosa. As testemunhas afirmam que morreu “solteira e virgem, de corpo e de coração”.
A família de Trask era de Frome, industriais que prosperaram com a fabricação de tecidos de seda e confecção de roupas. A senhorita Trask teve uma educação cuidadosa, puritana e estritamente caseira. Após a morte do pai, passou a se dedicar à mãe e a escrever romances, no ritmo de dois títulos por ano. A pessoa mais próxima de Miss Trask era a administradora da biblioteca de Frome. Era uma leitora insaciável e um empregado da biblioteca fazia uma viagem semanal à casa da escritora levando e recolhendo os livros que ela tomava emprestados à biblioteca.
Os vizinhos de Miss Trask acham inconcebível que tenha deixado todo o seu dinheiro para a Sociedade dos Autores da Grã-Bretanha e eles desconheciam o lado de escritora da estranha senhorita e questionam:
Por que Miss Trask não aproveitou essas 400.000 libras esterlinas para viver melhor? Por que premiar novelas românticas?
O articulista responde a essas perguntas com os seguintes argumentos: Miss Margaret teve uma vida maravilhosa, cheia de exaltação e aventuras. Sua generosidade, sacrifício e nobreza são comparáveis à vida dos santos. A existência de Margaret Elizabeth Trask foi intensa variada e mais dramática do que muitos dos seus contemporâneos.
Vargas Llosa também lança interrogações: Miss Trask foi mais feliz do que aqueles que preferem a realidade à ficção? Ele acredita que sim, e conclui que o fato de destinar toda sua fortuna aos escritores de novelas românticas é a melhor prova de que foi para o outro mundo convencida de que fez bem em substituir a verdade da vida pelas mentiras da ficção.
Dentre os inúmeros artigos dessa coletânea, este foi o que mais nos atraiu. É uma história verdadeira? Conta uma meia-verdade? Não importa. Valeu pela beleza e ternura do relato.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

José Paulo Paes: o poeta e o ensaísta


José Paulo Paes: o poeta e o ensaísta
Onde um lúcido menino
propõe uma nova infância.

Ali repousa o poeta.
( José Paulo Paes. Escolha de túmulo)

A Companhia das Letras publicou, em 2008, dois livros fundamentais de José Paulo Paes – Poesia Completa e Armazém Literário. Poesia Completa reúne poemas e Armazém Literário é uma coletânea de ensaios.
Na maturidade, o poeta se dedicou à literatura infantil e publicou vários livros para o público infanto-juvenil. Rodrigo Naves, na apresentação de Poesia Completa, afirma que as ilustrações que acompanhavam os poemas infantis dos livros eram discutidas carinhosamente entre o poeta e os ilustradores.
Naves afirma, ainda, que, na literatura infantil, José Paulo Paes conseguiu sucesso que superou tudo o que ele tinha publicado antes, e atribui esse fato à demanda desse tipo de literatura e a excelente qualidade dos livros de poesia para crianças.
Poesia Completa e Armazém literário contemplam o leitor adulto. Rodrigues Naves fez uma apresentação com riqueza de citações e de informações sobre o poeta. Vilma Arêas foi a responsável pela apresentação do livro de ensaios.
José Paulo Paes, modestamente, se dizia “um poeta como outro qualquer” e em tom de autoironia se intitulava “ o melhor poeta da minha rua” , seguida da explicação – sua rua era muito pequena, só havia um poeta, “ele-mesmo”.
Não faltou na seleção organizada por Vilma Arêas o excelente ensaio que José Paulo Paes escreveu sobre Augusto dos Anjos – “Uma microscopia do monstruoso”.
É conveniente lembrar que, no livro autobiográfico – Quem, eu? Um poeta como outro qualquer (Ed. Atual, 1996), José Paulo Paes revela que, na adolescência, o Eu e outras poesias de Augusto dos Anjos, foi um livro fundamental na sua formação literária. A respeito, ainda, do poeta paraibano, ele diz:
A poesia de Augusto dos Anjos, com suas angustiadas indagações sobre o sentido da existência humana, com as suas visões de pesadelo de morte e de decomposição dos seres vivos, com seu esmiuçamento ora microscópico ora telescópico dos mistérios do universo, me impressionaram profundamente. (1996:27)
A publicação desses dois livros veio comprovar que estamos diante de um poeta maior e de um crítico lúcido e instigante que sabia lidar, com mestria, com a Poesia, a Arte e a Cultura.