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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Um conto natalino



UM CONTO NATALINO

 
            (Neide Medeiros Santos – Crítica literária –FNLIJ/PB)
            [...]
            Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
            Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
            Ele é o humano que é natural,
            Ele é o divino que sorri e que brinca.
            E por isso é que eu sei com toda a certeza
            Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
            (Alberto Caeiro. O Guardador de Rebanhos. Poema VIII).
           
            Na época de Natal, lembramos sempre de contos que falam sobre esta festa celebrada no mundo inteiro. Nesse universo de contos natalinos, desponta o tradicional “Missa do Galo”, de Machado de Assis.  Há outro conto, dentro da temática natalina, que nos remete à infância e às leituras que fazíamos no período de férias, é o poético e enternecedor conto de Hans Christian Andersen – “A pequena vendedora de fósforos”.
            Este ano, sugestão de presente natalino, apresentamos um livro editado em João Pessoa pelo Fundo Municipal de Cultura que traz uma bonita história, trata-se de “Os trinta dinheiros do Rei Melchior”, de Alberto Correia, escritor português, que contou com ilustrações da artista plástica paraibana Analice Uchoa. O livro foi lançado no dia 27 de setembro de 2012, na Galeria Gamela.   Na ocasião do lançamento, houve exposição das telas de Analice Uchoa que ilustraram o livro.
            Alberto Correia, em nota ao livro, explica que a história dos trinta dinheiros do rei Melchior foi inspirada no conto do monge alemão João de Hildesheim que viveu nos anos 1300, na Alemanha. São palavras do escritor português:
            “Foi esta história mais alargada de pontos, que eu escrevi para o Natal de 2010.” Este ano os paraibanos tiveram a oportunidade de conhecer o texto já divulgado em Portugal.
            Analice Uchoa é natural de Campina Grande, radicada há muitos anos em João Pessoa. Atualmente é reconhecida como “expoente da pintura naif” na Paraíba. A artista retrata em suas telas fatos e coisas do cotidiano nordestino com um colorido forte e vibrante.            
            “Os trinta dinheiros do rei Melchior” é um conto acumulativo, feito de textos encadeados que começam com o surgimento do cristianismo na Terra. O primeiro remonta aos primórdios do cristianismo com os personagens bíblicos do Antigo Testamento – Abraão, Jacob, José do Egito, Salomão, Moisés.
            Muitos anos se passaram e a narrativa prossegue chegando ao Novo Testamento. O segundo momento situa o reino dos caldeus, época em que governava um rei que tinha por nome Melchior. Era um rei sábio que gostava de astronomia e de observar o céu. Ele sabia que iria surgir uma nova estrela para anunciar o lugar do nascimento de um Grande Rei.
             Numa noite de dezembro, apareceu a esperada estrela e Melchior resolveu seguir o caminho apontado pela estrela e levou um tesouro para ofertar ao Novo Rei – uma bolsa antiga com trinta moedas de ouro. No caminho, ele encontrou dois outros reis – Gaspar e Baltasar que resolveram acompanhá-lo até o local do nascimento indicado pela brilhante estrela e ofertar presentes ao recém-nascido.  
            Os reis chegaram ao destino desejado e depositaram seus presentes aos pés daquele Rei que nasceu de modo simples e pobre em uma manjedoura.
            Engana-se quem pensa que a história termina com o oferecimento dos presentes dos reis, seguem-se muitas outras e as trinta moedas de ouro vão passar por outras mãos, mas isso só vai ser possível saber lendo o livro na íntegra.  
            Não poderia deixar de fazer referência às belíssimas ilustrações de Analice Uchoa. O livro está dividido em treze capítulos e Analice fez ilustrações para todos os capítulos. As cores tropicais, vibrantes e fortes, estão presentes nos pés de ipês de cores variadas, nos animais domésticos – bois, ovelhas e burrinhos que se apresentam ao lado dos camelos. A paisagem nordestina convive fraternalmente com a oriental.
            Aliado a tudo isso, destacamos outros elementos que enriquecem o livro - um mapa contendo toda a trajetória da aventurosa viagem dos reis até chegar a Belém, e gráficos com a linha do tempo, representando “Tempo antes de Cristo” e “Era Cristã”.
            O livro encanta pela linguagem bem cuidada de Alberto Correia e as ilustrações de Analice Uchoa.  

            NOTAS LITERÁRIAS E CULTURAIS

            GRACILIANO RAMOS
            Atendendo a convite da jornalista Clarice Cardoso, “Carta Fundamental”, escrevemos um texto sobre o escritor alagoano Graciliano Ramos, com ênfase para os livros infantis – “A terra dos meninos pelados”, “Pequena história da República” e “Histórias de Alexandre.” A revista “Carta Fundamental” integra o grupo da revista” Carta Capital” e são colaboradores, entre outros, Ana Maria Machado, Marcos Bagno e Braúlio Tavares. É uma revista mensal dirigida a professores e educadores.  Nosso texto saiu na revista do mês de dezembro e já  está disponível nas bancas de revistas.






quinta-feira, 8 de março de 2012

Violeta Formiga homenageada



Violeta Formiga: uma homenagem merecida

(Neide Medeiros Santos) **

Os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia.
(Otávio Paz. O desconhecido de si mesmo).

Violeta de Lourdes Gonçalves Formiga este é o nome completo da poeta. Violeta Formiga é o nome artístico. Vítima da sanha de algum menino perverso que não queria a sua convivência com os humanos, voou, como diz o poeta Manuel Bandeira, para o céu dos passarinhos no dia 21 de agosto de 1982. Denominar este colégio de Violeta Formiga é uma homenagem que o prefeito Ricardo Coutinho presta a quem soube cantar a liberdade como os grandes poetas e citamos, entre outros, o romântico Castro Alves, o chileno Pablo Neruda e o moderno Ferreira Gullar.
Para melhor compreender a dimensão poética de Violeta Formiga, julgamos necessário fazer um breve relato biográfico, trazer opiniões de poetas e jornalistas registradas em jornais por ocasião do lançamento de seu livro póstumo – Sensações e apresentar alguns poemas de sua lavra.
Violeta nasceu na cidade de Pombal, sertão da Paraíba, no dia 28 de maio de 1951. Era filha de José Formiga e Dona Prima Gonçalves Formiga. Passou a infância e adolescência na cidade de Pombal. Estudou no Colégio Diocesano e na Escola Normal Arruda Câmara na sua cidade natal. Em 1971, transferiu-se para João Pessoa e ingressou na Universidade Federal da Paraíba no curso de Psicologia. Na Universidade, já revelava tendências para a poesia e começou a divulgar seus poemas nos jornais da capital e no jornal literário Correio das Artes.
A poeta paraibana viveu apenas 31 anos, tinha quase a mesma idade de Augusto dos Anjos (30), e como Augusto deixou apenas um livro – Contra Cena. Após a sua morte, os amigos reuniram poemas inéditos e publicaram Sensações, uma edição póstuma. Pinçamos algumas opiniões dos amigos que se encontram, também, registradas nesse livro.
O escritor e jornalista Anco Márcio destaca, com muita emoção, o local escolhido para alojar a bala assassina:
Logo no coração. Meu Deus, no lugar onde ela guardava todo o seu estoque de poesia.
O jornalista Evandro Nóbrega traça o retrato físico de Violeta Formiga que pode ser confirmado pelo trabalho do artista plástico Domingos Sávio:
Morena, com um ar de boneca ágil, pequena, sorridente, bonita a seu jeito, pulsante de cor e energia. Os olhos pretos, vivos, penetrantes, prazenteiros, joviais.
O cronista Francisco Pereira Nóbrega deixou expresso, nessas palavras, a maneira de ser de Violeta e seu desejo de ser pássaro:
Violeta, onde estiver, estará repetindo a primeira frase que me disse: “deixaram a gaiola aberta o passarinho voou. Achei foi bom.”
A professora Wilma Wanda lamenta não poder acompanhar a poeta na sua nova trajetória:
Minha tristeza é não poder acompanhar contigo o desenho dos pombos voantes, o destino dos trens pelas montanhas e o brilho tênue de cada estrela brotando à margem do crepúsculo.
O poeta Cláudio Limeira, com poucas palavras, resume o canto poético de Violeta:
Cante a última canção sem viola.
Não sou poeta, mas ousei deixar um registro a respeito de Violeta Formiga no livro Sonho de uma feliz cidade, organizado por Heriberto Coelho em 2007, com selo do Sebo Cultural:
[...] no dia 21 de agosto de 1982, a cidade de João Pessoa, que acolhia a poeta de Pombal com afagos de mãe, acordou mais triste, acordou sem Violeta Formiga.
O mês era agosto e João Pessoa amanheceu sem... Violeta Formiga.
Feitas essas breves considerações, vejamos dois poemas de Violeta, representativos do seu jeito de poetar e cantar a vida.
No poema Dádiva que apresentaremos a seguir, nota-se o desejo de voar e de ser pássaro:
Dádiva
Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu útlimo
castigo).

Ária No.3 é outro poema revelador do desejo de ser pássaro e da angústia existencial vivenciada pela poeta. Comprovemos:
Ária No. 3
Um pássaro noturno
vagueia
a procura da sua própria
procura.
A cantar para o vazio
a mesma balada
sai repetindo
sua triste canção de angústia
por se encontrar
no tempo sozinho.

Para concluir, apresentaremos, a seguir, um Poema Colagem, uma montagem que organizamos, um resumo da vida e da poesia de Violeta Formiga e um poema de Paulo Nunes Batista, poeta paraibano, radicado em Goiás que, após a leitura da plaquete Violeta Formiga: 25 anos de encantamento, escreveu esta bonita canção: Canção para a desconhecida amiga Violeta Formiga.
Poema Montagem:

EU, Violeta Formiga
Saio de mim mesma
como pássaro
do ovo.
De espaço
e asas
faço meu aprendizado,
mágico vôo.

Minha vida
por uma única
palavra:
Liberdade.
(Então eu
serei feliz
como os anjos
que ainda não
nasceram).

Não deixe que eu morra
me sinta.
É assim que eu sou
alegre e triste,
eterna e efêmera
amante do belo
e da miséria companheira.

Ser pássaro
e voar infinito.
(Que seja este
o meu último
castigo).

Canção para a desconhecida amiga Violeta Formiga

Violeta Formiga
cumpriu sua carma
armou seu vôo
de Mulher passarinho
de ternura morena
com seu Sorriso aberto
seu Olhar de noite irrevelada.

Violeta suspiro de viola
lágrima de flauta doce
risada de violão na tarde
choro de bandolim amadrugado
plano deseperado na chuva
expirar de onda na praia.

E essa distância fragrante da manhã?
E essa solidão de música insatisfeita?
E essa Violeta disfarçada em risos?
E esses rastros de luz pelo Caminho?

Peço-te perdão
por todos os homens
que esmagaram em ti
as pétalas de luz,
Violeta...

Há um pombal voando
nas asas do teu nome.

Os poemas utilizados no texto montagem foram extraídos dos livros Contra Cena e Sensações. O poema de Paulo Nunes Batista, do livro Samburá da Parahyba.
(* Texto apresentado na Escola Municipal Violeta Formiga, no dia 5 de junho de 2009, por ocasião da entrega de 200 livros de literatura infantil e 20 livros de autores paraibanos para a Biblioteca da Escola e publicado no blog "Eu amo literatura" no dia 08 de março de 2012 - Dia Internacional da Mulher).
(** Neide Medeiros Santos é coordenadora do Projeto “Mandala de Livros” e Representante da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil na Paraíba Pertence à Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba e sua patrona é Violeta Formiga).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Maria Campos: moça de muitos nomes

MARIA CAMPOS: a moça de muitos nomes
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
Não sei quantas almas tenho.
( Fernando Pessoa)

Stella Maris Rezende é mineira de Dores do Indaiá, nome poético e nostálgico para uma cidade. É atriz, escritora e publicou inúmeros livros para adultos e jovens. Recebeu prêmios importantes, como o Nacional João-de-barro e foi indicada três vezes para o Jabuti. Em 2010, conquistou o Prêmio “Barco a Vapor de Literatura” com o livro “A guardiã dos segredos de família”. (Ed. SM. 2010). Em 2011, pela Editora Globo, dentro da linha do “romance de aprendizagem”, publicou” A mocinha do Mercado Central”. É sobre este último livro que iremos tecer algumas considerações.
Presente e passado se entrecruzam nessa narrativa que reúne cinema, literatura, teatro e romance. Para Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia e escritor, a prosa deste livro lembra, profundamente, o fluxo inconsciente da psicanálise. É, também, um guia no caminhar das ruas por diversas cidades brasileiras.
Na apresentação do livro, o ator e diretor de cinema, Selton Mello, afirma: “Em tempos anêmicos, essa leitura faz sonhar e encher o peito de alegria”. Vamos acompanhar as trilhas da personagem central Maria Campos, a mocinha do Mercado Central, e encher o coração de alegria por meio da leitura desse livro cheio de mineirice.
Maria Campos nasceu na mesma cidade de Stella Maris – Dores do Indaiá, filha única de Bernardina Campos e de pai ignorado. Tinha apenas o sobrenome da mãe. “A mãe fora violentada durante um assalto a um ônibus em que viajava de Belo Horizonte para São Paulo.” (p.17). Dessa união indesejada, nasceu a filha, mas a mãe era toda desvelo, dedicou a vida àquela que fora fruto de um estupro.
Antes de iniciar o roteiro das viagens e acompanhar Maria Campos por diversas cidades brasileiras, vamos conhecer Valentina Vitória, uma vizinha de Dores do Indaiá que tinha um sobrenome bem longo – Valentina Vitória Mendes Teixeira Couto. Foi esta vizinha bonita de cabelo comprido, cheio e cacheado, com pai e mãe que “viviam de mãos dadas” que ensinou a Maria Campos o significado de muitos nomes próprios, e deu esta explicação: “Cada nome tem a sua magia.” (p. 15).
Ao completar dezoito anos, Maria resolveu deixar a pacata cidadezinha do interior de Minas e conhecer outras cidades. Procurou convencer a mãe com este argumento: “Passar algum tempo fora da casa materna seria bom, diferente, aventuroso, e com certeza daria a ela Maria muitas oportunidades de aprender muitas coisas, coisas que a pia cheia de louça e a mãe sozinha não podiam ensinar.” (p.20) E partiu.
A primeira cidade escolhida foi Brasília. Para cada cidade visitada, Maria Campos iria adotar um nome diferente. Em Brasília, escolheu o nome de Zoraida, e foi trabalhar em um restaurante simples, feito de tábuas pintadas de azul-piscina.
A segunda aventura foi a cidade de São Francisco, não da Califórnia, mas do Norte de Minas Gerais. E veio um novo nome, agora era Teresa – “a que carrega as espigas de trigo”. Quando chegou naquela cidade que tinha nome de santo, sentiu-se “absurdamente disposta.” Trabalhou como enfermeira em um hospital e conheceu a dor de partir muito cedo – a morte do menino Tadeuzinho e de uma jovem mãe.
Na terceira aventura, o destino foi São Paulo. Agora seu nome era Simone, “aquela que escuta” e escolheu ser vendedora ambulante na Rua 25 de Março. Era um trabalho duro, tinha que limpar, organizar, mostrar, gritar, vender, agradecer e dizer: “volte sempre”. Um dia, veio a vontade de partir para uma nova aventura e Belo Horizonte foi o próximo pouso.
Miriam era seu novo nome, que significa “a filha desejada”. Quando chegou a Belo Horizonte, foi procurar o apartamento de uma tia que morava nas proximidades do Mercado Central. Dirigiu-se a um rapaz que desenhava com uma prancheta sobre os joelhos, sentado em um banco da Praça Raul Soares e perguntou-lhe onde ficava o Mercado Central. O apartamento da tia ficava nas proximidades do Mercado Central e o rapaz deu-lhe todas as indicações – ficava entre a Augusto Lima e a Goitacazes.
Tia Marta, “aquela que reina em casa”, morava em um apartamento pequeno, mas confortável. Havia um quarto-biblioteca no apartamento e a tia estava sempre lendo, “parecia que o livro era um namorado que ela ia beijar e abraçar.” (p.57)
O Rio de Janeiro foi o próximo destino de Nídia, nome de origem latina que significa “saído do ninho”. E a sugestão de visitar o Rio veio de tia Marta, ela tinha um apartamentozinho em Copacabana, Maria, agora Nídia, poderia ficar uns dias por lá, deu-lhe a chave, o endereço e um mapa da cidade do Rio de Janeiro. Tia Marta pediu-lhe uma coisa em troca: “Quero que vá ao Real Gabinete Português de Leitura” (p.61).
Essa visita ao Rio trouxe-lhe agradáveis surpresas. Na biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, encontrou um volume sobre a mesa. Pegou o livro e começou a folhear. Na capa estava escrito Fernando Pessoa e ela se lembrou de que Fernando é de origem germânica e significa “guerreiro destemido”. E começou o ler aquele livro, foi lendo, lendo e encontrou este poema:
“Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.

E leu mais. Descobriu que Fernando Pessoa virava Alberto Caeiro. E virava Álvaro de Campos. E virava Ricardo Reis. Coisa que ela também gostava de fazer.
Mas o Rio ainda tinha boas surpresas. Entrou na Confeitaria “Traiteurs de France” para tomar um café e comer um “financier” e viu alguém importante entrando. Era ele, Selton Mello. Seu coração disparou. Há muito sonhava com esse encontro desde o tempo em que assistira “Lisbela e o prisioneiro”, no Cine Serra da Saudade, em Dores do Indaiá. Dirigiu-se para o ator e disse-lhe:
“- Selton, eu me apaixonei por você.” (p. 84)
Essa declaração foi o início de uma longa conversa. Nídia não acreditava que estava vivendo aquele momento mágico, conversando com Selton Mello.
Outras viagens, outras surpresas e Maria Campos ganhando novos nomes, novas aventuras. O romance juvenil termina com a mocinha da Estação Central retornando à cidade natal. Recebe o afago da mãe e a triste noticia do suicídio da amiga Valentina Vitória.
As inúmeras viagens e as várias cidades visitadas por Maria Campos demonstram que estamos diante de um verdadeiro “romance de aprendizagem”.
( Texto publicado no jornal “Contraponto”. João Pessoa, fevereiro de 2012)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

fábulas ecológicas modernas

Fábulas Ecológicas Modernas
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)

Da viola do urubu
sapo caiu no penhasco,
gritando: “Arreda, lajedo,
sai, pedra, senão te lasco!”
(Marcus Accioly. Da festança-no-céu. In: Guriatã: um cordel para menino)

A palavra fábula tem origem latina e aparece em outras línguas sempre com o mesmo sentido – conta uma história tendo como protagonistas animais. Quanto à origem, remonta a tempos muito antigos. Embora se fale nas fábulas de Esopo (Grécia, VI a.C.,) Fedro (Roma, século I), La Fontaine (França, século XVII), o Oriente é considerado o berço deste gênero literário.
Câmara Cascudo, em “Literatura oral do Brasil” (1984:87), afirma que as histórias de animais, as fábulas clássicas, são milenárias. Os europeus representavam os temperamentos humanos sob a forma de animais. Para africanos e ameríndios, os animais viviam essa própria ação anímica e eram dotados de todos os poderes e raciocínios dos humanos. Possuíam o segredo do fogo, do sono e de certos vegetais.
Nas primeiras décadas do século XX (1920/1930), Monteiro Lobato procurou retirar o ranço moralista que envolvia as fábulas e deu-lhes nova roupagem ao escrever as “Fábulas de Narizinho” (1921).
Em carta ao amigo Godofredo Rangel (8 de setembro de 1916), Lobato expõe o esboço de um projeto: “Ando com várias ideias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades”.
Na história da literatura as fábulas sempre retornam, modernamente aparecem destituídas das antigas moralidades e apresentam novas maneiras de ver o mundo, conservando, porém, a presença de animais falantes e que agem como os seres humanos.
É dentro desta nova linha de fábulas que o escritor paraibano, radicado em Recife, o médico psiquiatra Luiz Carlos Albuquerque, escreveu duas histórias – “As aventuras de Urubill” e “Batra, o sapo”, livros publicados pela Editora Bagaço, Recife, 2011. Além de escrever para crianças, contos e cordel, Luiz Carlos Albuquerque é autor de um ensaio sobre Augusto dos Anjos – “Eu, singularíssima pessoa”, livro que foi consultado pelas pesquisadoras do projeto “Redescobrindo as Trilhas de Augusto dos Anjos” para escrever a “Biobibliografia de Augusto dos Anjos” (Ed. Universitária, UFPB, 2008) e “Augusto dos Anjos em imagens: uma fotobiografia” (Ed. Ideia, 2010).
Mas vamos em busca das fábulas fabulosas criadas por Luiz Carlos Albuquerque.
Urubill é o protagonista do livro “As aventuras de Urubill” e habita a região do açude Prata, no bairro de Apipucos, em Recife, é um urubu caminhante, gosta de dar longos passeios e voos rasantes pelas margens do rio Capibaribe. O interessante desta fábula é a amizade que surge entre o Urubill e a garça Graça. Esta ensina o amigo a comer peixe. Urubill abandona os antigos hábitos alimentares e passa a comer peixes e vegetais.
Dentre os amigos de Urubill, destacam-se Sombra, Gardel e Flatista Sombra era um urubu com ares de poeta, ficava pousado em uma jaqueira “lendo poemas de um tal de Augusto dos Anjos, repetindo várias vezes o trecho predileto deste poema: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte!”
Batra é um sapo e o personagem principal de “Batra, o sapo”. Andarilho por natureza, gostava de fazer caminhadas noturnas pelas ruas do Recife na companhia do jovem poeta Austro Costa, isso lá pelos anos de 30 e 40 do século XX. Morava na curva do rio Capibaribe, perto do Palácio das Princesas. Era muito, muito velho, dizia que conhecera pessoalmente o Conde Maurício de Nassau e Tabira, o chefe tabajara.
Tinha o hábito de reunir os sapos menores e os adultos e lá vinham histórias do Recife antigo relembradas por Gilberto Freyre no livro “Guia Prático, Histórico e Sentimental do Recife”, com 1ª edição em 1934 e reeditado diversas vezes. Dizia o Mestre de Apipucos:
“Os maus urbanistas quiseram aterrar primeiro o Beberibe, depois o Capibaribe para sobre esses ex-rios edificarem casas, apartamentos e vilas disto ou daquilo”.
Os rios não morreram de sede, mas tiveram, com o desenvolvimento da cidade, seus cursos alterados, sofreram mutilações, aterraram seus mangues, construíram edifícios, shopping center, abriram-se avenidas e os rios do Recife foram perdendo o encanto e a magia dos versos decantados pelo poeta Austro Costa:
“Rio Capibaribe
Capibaribe meu rio,
espelho do meu sonho”.

Temos muito o que aprender com as fábulas, com os animais, com os rios. Luiz Carlos Albuquerque, com essas duas fábulas modernas, ensina-nos a conviver pacificamente com a natureza, a não poluir os rios e a respeitar o meio ambiente.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

a megera idomada

A MEGERA INDOMADA E O PROFESSOR INESQUECÍVEL
(Neide Medeiros Santos)

(Para Auxiliadora – que guarda boas lembranças do meu professor inesquecível)

Todos que passaram pelos bancos escolares têm, na memória, a imagem de um (a) professor (a) inesquecível. Guardo, nas minhas lembranças, a figura de uma professora de Matemática da 4ª e 5ª séries do curso primário. Seu mau humor inspirava medo e as aulas de Matemática, que não me despertavam o menor interesse, tornavam-se um tormento para aquela menina que gostava muito mais de escrever, fazer composições com os quadros da Editora Melhoramentos do que aprender as quatro operações, MDC, MMC e resolver problemas intrincados de Matemática.
Muitas vezes fui colocada para fora da sala de aula por essa professora sob o argumento de que não me concentrava nas aulas e estava distraindo as colegas que queriam estudar. Felizmente, a palmatória já tinha sido abolida do colégio em que estudava, se isso ainda fosse uma prática corriqueira seriam doze palmadas em cada mão, como Pilar, aquele menino do “Conto de Escola” de Machado de Assis.
Somar, diminuir, multiplicar, dividir e fazer conta de cabeça foi um duro aprendizado – de um lado, a tortura, as dificuldades inerentes àquela que não gostava nem de Matemática nem da professora; do outro lado, a necessidade de saber as quatro operações para não ser reprovada. Hoje sei que a ojeriza a esta disciplina era fruto do não entendimento professora/aluna.
Ascenso Ferreira, no poema “Minha Escola”, fala também das dificuldades que teve na escola: encontrou um professor carrancudo como um dicionário e inacessível como “Os Lusíadas” de Camões. Para consolo do menino, à noite, em sua casa, havia uma velha ama que lhe contava histórias do reino da mãe d´água e lhe ensinava a tomar a bênção à mamãe lua.
No período em que fui aluna da megera indomada, eu não tinha uma velha ama para me contar histórias, mas tinha um irmão, estudante de engenharia, que me revelou alguns segredos da Matemática e também a resolver os problemas dessa disciplina. Esse irmão foi meu verdadeiro PROFESSOR INESQUECÍVEL, pois me encaminhou pelas áridas veredas dos números e consegui, no fim do ano, ser aprovada com boas notas.
O nome da professora? Não importa. Seu nome e sua imagem estão bem gravados na minha memória, prefiro, contudo, chamá-la de MEGERA INDOMADA.