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terça-feira, 21 de outubro de 2008


Prêmios da ABL/2008
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária – FNLIJ/PB)

...Ver bem não é ver tudo: é ver o que os outros não vêem.
(José Américo de Almeida. A Bagaceira. Antes que me falem. 42 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 3).

No dia 17 de julho, durante sessão solene comemorativa dos 111 anos da fundação da Academia Brasileira de Letras, foram entregues os prêmios literários 2008. Autran Dourado foi o vencedor do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de obra. Izacyl Guimarães Ferreira recebeu o Prêmio de Poesia – “Discurso Urbano”. Na categoria de Ensaio, o vencedor foi Laurentino Gomes com o livro “1808”. Coube a José Alcides Pinto o Prêmio de Ficção, Romance, Teatro e Conto – “Tempo dos Mortos.” Daniel Munduruku recebeu o Prêmio de literatura Infanto-Juvenil com o livro “O Olho Bom do Menino” (Ed. Brinque-Book, 2007), com ilustrações de Rubens Matuck.
Antes de falarmos sobre o livro vencedor na categoria infanto-juvenil, vamos conhecer um pouco do autor e do ilustrador.
Daniel Munduruku, nome literário de Daniel Monteiro Costa, nasceu no Pará, é descendente do povo munduruku, atualmente reside no interior de São Paulo. Estudou Filosofia na Universidade Salesiana de Lorena, é filósofo e professor, cursa doutorado em Educação na USP. É autor de cerca de 30 livros infanto-juvenis. Em seus textos, procura sempre divulgar a cultura e o saber do povo indígena. Já recebeu inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Em 2006, foi condecorado com a “Comenda de Mérito Cultural”, outorgada pelo Ministério da Cultura e o livro “Meu avô Apolinário” ganhou menção honrosa da UNESCO (2003), no Prêmio Literatura para Crianças e Jovens, na questão da tolerância.
Rubens Matuck nasceu e mora em São Paulo, ilustra livros desde a década de 1980. É escritor, ilustrador, pintor, aquarelista, escultor e um árduo defensor do meio ambiente. Mantém no seu ateliê um viveiro de plantas, distribuindo mudas para arborizar as ruas de seu bairro e dá aulas para alunos com necessidades especiais. Seu trabalho com crianças, portadores de deficiências, o ajudou a ilustrar esse livro que fala da visão interior de um personagem muito especial – Theo Luís. Para ilustrar “O Olho bom do menino”, Rubens Matuck usou a técnica da aquarela. Cores suaves formam um conjunto harmonioso e agradável.
Daniel Munduruku sempre utiliza, em seus livros, a temática indígena, mas “O Olho bom do menino” foge desse tema recorrente e vamos encontrar como personagem central um menino portador de deficiência visual. Logo, no início da narrativa, após uma conversa com a mãe do menino, o narrador faz essa observação a respeito da visão de mundo do menino:
“- Ele parecia ser muito feliz, apesar dessa condição”. (p 8).
No decorrer da história, Theo Luís vai se revelando pouco a pouco e dá lições de bem viver à mãe que se sentia um pouco culpada pela cegueira do filho (ela tivera rubéola quando estava grávida) e aos adultos que privam de sua convivência.
Há uma passagem no livro em que o menino confessa a um adulto:
“- É importante que o senhor saiba que mesmo com os olhos fechados eu posso ver muita coisa”. Depois continuou:
“-Tem coisas que a gente só vê quando fecha os olhos. As pessoas cegas se acostumam com a escuridão e dela fazem seu mundo. A gente tem os outros sentidos que nos ajudam a ver coisas que os que vivem de olhos abertos não conseguem enxergar”. (p.14-15)
Theo Luís perdeu a visão, mas tem a capacidade de enxergar as pessoas por dentro. Há uma passagem do livro que o menino revela o que seu “olho bom” pode ver:
- Eu tenho um olho bom – disse, sorrindo...
- Mas não adianta procurar aqui, no meu rosto. Estes aqui nada vêem. É por isso que meu olho de dentro do coração funciona, e eu sinto quando as pessoas estão infelizes” (p. 19).
A poeticidade desse livro pode ser comparada ao filme iraniano “A cor do paraíso”, com direção e roteiro de Majid Majidi, que conta a história de Mohammad, um menino cego que busca o sentido da vida nas coisas mais simples – como um filhote de passarinho que cai do ninho e, sem pressa, espera ser colocado no abrigo seguro (e o pequeno Mohammad o traz de volta ao ninho), parar no meio do caminho e escutar o toc-toc dos pica-paus na mata, andar pelo campo na companhia da irmã, ouvir histórias contadas pela avó.
A beleza literária de “O Olho Bom do Menino”, aliada à riqueza da ilustração, nos levou a escrever uma breve louvação para Daniel Munduruku, inspirada nas palavras de José Américo de Almeida:

Louvo o avô e louvo o pai
Louvo todo o povo munduruku
Louvo o escritor Daniel
Que vê o que os outros não vêem.

E Rubens Matuck? Merece também ser louvado.

Minha inspiração é curta
Para tanta louvação
Para Rubens Matuck – obrigada
Digo adeus e vou-me embora.

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